Título: Crise nos EUA pode reduzir inflação no Brasil
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, Brasil, p. A6

O cenário para a inflação em 2008 inspira bastante cautela, mas a perspectiva crescente de uma forte desaceleração da economia americana pode atenuar eventuais pressões sobre os preços - desde que não se traduza numa desvalorização acentuada do real. Embora a expectativa dominante ainda seja de que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrará um crescimento razoável este ano, começam a ganhar peso as avaliações de que a atividade econômica não passará incólume pela crise externa. Com isso, a demanda tenderia a perder fôlego, melhorando o quadro para a inflação e, com isso, reduzindo a possibilidade de alta dos juros nos próximos meses.

O estrategista-chefe para a América Latina do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que o Brasil deve crescer 4,5% em 2008, mostrando uma desaceleração razoável em relação aos 5,3% estimados para o ano passado. "O país é resistente, mas não está desconectado da dinâmica global", diz ele, para quem a economia deve ser afetada pela expansão mais modesta das exportações e pelo efeito indireto de um fluxo de capitais um pouco menor sobre o investimento - muitas empresas podem investir menos se houver dificuldade maior para captar recursos no exterior, por exemplo.

Lintz considera que a alta recente dos alimentos tende a atingir o consumo, por reduzir a renda disponível, opinião compartilhada por Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da SLW Asset Management. "A alta nos preços de alimentos num trimestre costuma ser acompanhado por alguma redução do consumo nos trimestres seguintes", afirma Gomes Filho, que aposta num crescimento de 4% em 2008.

O estrategista do BNP Paribas nota que a América Latina inteira passa por uma onda de pressão inflacionária, motivada principalmente pela alta dos preços de alimentos e de energia. O banco construiu um índice de preços ao consumidor (IPC) latino-americanio, englobando sete países da região, que subiu de 4,9% em 2006 para 5,8% em 2007. O núcleo, calculado pela exclusão de preços de alimentos e energia, mostra um comportamento bem mais benigno: ficou em 4,6% em 2007, percentual próximo ao 4,57% do ano anterior. Segundo ele, isso indica que não há pressões inflacionárias generalizadas.

Ele estima uma alta de 4,1% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano, abaixo do centro da meta, de 4,5%, e também inferior aos 4,46% de 2007. Esse cenário benigno para a inflação o leva a projetar ainda dois cortes de 0,25 ponto percentual para a taxa Selic no segundo semestre, que levariam os juros para 10,75% no fim do ano. Gomes Filho é um pouco mais cauteloso: vê a Selic estável em 11,25% ao longo de 2008, projetando um IPCA de 4,3%.

O economista-chefe do Itaú, Tomás Málaga, vê um quadro delicado para a inflação, mas também acha que a desaceleração da atividade econômica neste ano ajudará o Banco Central (BC) na sua tarefa de cumprir a meta. O Itaú revisou sua previsão para o crescimento de 4,5% para 4%, devido à expectativa de que os EUA passarão por momentos bastante difíceis em 2008. Em vez de uma expansão de 2%, Málaga acha mais provável que a maior economia do planeta avance apenas 1% ou 1,5% neste ano. Esse quadro o deixa mais confortável para projetar um IPCA de 4% a 4,1% em 2008. Para Málaga, os preços de alimentos devem arrefecer nos próximos meses. Como Gomes Filho, Málaga projeta uma Selic estável neste ano.

Málaga e Lintz lembram um detalhe nada desprezível: os juros brasileiros ainda estão num nível bastante elevado. Considerando a Selic em 11,25% e a inflação projetada para os próximos 12 meses, o juro real brasileiro está em 6,7%. Se for levada em conta a taxa privada de um ano, que define o custo de empréstimos e financiamentos, o juro real é de 7,5%. Para Málaga, a manutenção da Selic em 11,25% contribui para abrandar o ritmo da atividade econômica.

O economista-chefe da Credit Suisse Hedging Griffo, Elsom Yassuda, tem um cenário um pouco mais pessimista para o IPCA: ele aposta num indicador em 4,8% neste ano, um pouco acima do centro da meta. Não por acaso, Yassuda projeta uma expansão de 4,8% para o PIB, o que significa uma demanda crescendo forte e abrindo espaço para aumentos mais fortes de preços. Ele acredita que os serviços (como aluguel, condomínio, cabeleireiro e conserto de automóveis) possam crescer 7% neste ano, bem acima dos 5,2% de 2007. Por enquanto, porém, ele não vê necessidade de alta dos juros ao longo do ano.

Todos os analistas destacam que, em seus cenários, o câmbio deve ficar mais ou menos estável em relação ao nível atual, na casa de R$ 1,80. "Se a crise externa reduzir drasticamente o crédito para países emergentes, as minhas perspectivas mudariam completamente", diz Gomes Filho. Esse quadro implicaria um fluxo de capitais bem mais fraco para o país, o que poderia provocar uma desvalorização do câmbio. Um dólar mais caro tenderia a pressionar a inflação e, com isso, levar o BC a elevar os juros. Para Málaga, um câmbio de R$ 2,10 significaria uma desvalorização razoável em relação às cotações atuais, o que poderia jogar a inflação para patamares indesejáveis.