Título: Pior efeito da crise seria a redução nos investimentos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2008, Opinião, p. A12

A turbulência no mercado internacional já provocou pelo menos um efeito negativo no Brasil. Uma das fontes de financiamento das empresas - a captação de recursos por meio do lançamento de ações - praticamente secou. Das ofertas primárias de ações (IPOs, na sigla em inglês) programadas para os próximos meses, 23 já foram suspensas por causa do nervosismo.

Nos últimos três anos, o mercado de capitais, especialmente o de ações, tornou-se um importante e saudável instrumento de apoio às companhias de capital aberto no Brasil. Os números são contundentes. Em 2005, as empresas levantaram, no mercado acionário, R$ 14 bilhões. No ano seguinte, a captação, tanto em ofertas iniciais quanto em aumento de capital, aumentou para R$ 30 bilhões. No ano passado, bateu-se novo recorde - R$ 70 bilhões. Somando-se as emissões de debêntures, o volume captado chegou a R$ 122 bilhões (até novembro), quase o dobro do que o BNDES emprestou - R$ 65 bilhões - nos 12 meses concluídos naquele mês.

A maior parte desses recursos foi usada pelas empresas para financiar a formação bruta de capital fixo, ou seja, os investimentos na compra de máquinas e equipamentos, destinados ao aumento da capacidade produtiva. Com o aparecimento dos primeiros sinais de que a economia americana pode estar entrando em recessão, as bolsas de valores, em todo o mundo, se tornaram extremamente voláteis. Operações de IPO foram canceladas e mesmo emissões de debêntures foram congeladas, uma vez que, nesse ambiente conturbado, é difícil fixar uma remuneração que atraia os investidores.

Como bem definiu o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em artigo recentemente publicado na revista "Veja", "nos momentos de medo, o financiamento via mercado de ações se retrai, mas o medo passa e o canal sempre reabre". A dúvida é saber como as empresas vão se financiar ao longo de 2008, num mercado avesso a risco.

As empresas contam, claro, com os recursos subsidiados do BNDES. "Tem sempre o velho BNDES de guerra", comentou, em entrevista ao Valor, Isaac Zagury, diretor financeiro da Aracruz e ex-funcionário de carreira do banco. "O banco sempre foi a principal fonte de financiamento do setor", disse ele. De fato, o BNDES expandiu fortemente, nos últimos anos, a sua carteira de empréstimos. Dada a elevada demanda do setor privado, em 2008 pretende emprestar R$ 80 bilhões, 23% a mais do que em 2007, embora ainda não disponha de recursos assegurados para isso.

Mesmo se estivesse com os cofres cheios, o BNDES, porém, não conseguiria, evidentemente, atender a toda a demanda. É preciso ressaltar que a taxa de investimento está crescendo à frente do ritmo de expansão do Produto Interno Bruto - 14,36%, em termos reais, no terceiro trimestre de 2007, quando comparada ao mesmo período do ano anterior, face a um crescimento de 5,66% do PIB. Nesse cenário, para que a economia continue crescendo, é crucial que as empresas disponham de recursos para investir.

Além dos recursos do BNDES, as companhias podem acessar os empréstimos bancários. Os bancos brasileiros estão capitalizados e, em tese, podem assumir um papel mais relevante na concessão de crédito ao setor privados. O problema são os juros elevados e a quase inexistente perspectiva de melhora dessa situação no curto prazo, uma vez que o Banco Central vem sinalizando que tão cedo não reduzirá a taxa Selic, estacionada desde setembro em 11,25% ao ano e que serve de piso para os juros praticados pelo sistema bancário.

O mercado aposta que um possível substituto do mercado acionário no financiamento às empresas são os fundos de "private equity", que compram participações societárias em empresas. Esses fundos estão endinheirados e, no passado recente, vinham tendo dificuldade para fechar negócios graças à concorrência dos IPOs. "Eles se capitalizaram bastante antes da crise" , conta Raul Beer, da PriceWaterhouseCoopers. Ou seja, por essa via pode não faltar dinheiro. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no último ano 77 carteiras pediram autorização para captar R$ 22,3 bilhões no país. Mas é fato que, diante das turbulências no mercado internacional, as fontes para o financiamento do investimento no país, hoje, são incertas.