Título: Racionamento: preços realistas são a solução a longo prazo
Autor: Landau , Elena
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, Opinião, p. A10

Nas últimas semanas a crise energética virou um assunto político. O governo, temendo perder popularidade, nega de público a possibilidade de racionamento e chegou a desautorizar o alerta do diretor geral da Aneel que, aliás, como regulador independente, tem como função tomar as medidas que ache necessárias para o bom funcionamento do setor sem estar sujeito às limitações políticas de governo da hora.

Para quem acompanha o setor energético de perto, a crise não é uma surpresa porque a expansão da geração não vinha acompanhando a demanda. A situação se agravou no momento por conta da combinação de crescimento econômico com um período hidrológico desfavorável. A falta de chuvas não serve como desculpa - quem planeja deve levar em consideração sempre os piores cenários. Por sua vez, a crise do gás, anunciada há tanto tempo, agrava o descompasso entre oferta e demanda, impedindo que uma eventual queda da energia hídrica possa ser compensada pela energia térmica a gás natural.

Na realidade, desde o início do ano passado, os agentes privados do setor discutem a possibilidade desta conjunção negativa de fatores para 2008 e 2009. O mercado de curto prazo já está precificando a crise. Nos últimos dias, o preço no mercado spot de energia atingiu seu valor máximo de 570 reais, acima do observado no período anterior ao racionamento de 2001, e somente não superou o valor do apagão por conta de uma decisão regulatória que impôs um teto a este preço. No entanto, o governo, através da Empresa de Planejamento Energético (EPE), sempre trabalhou com um cenário bem mais otimista, como, aliás, continua fazendo no momento.

O que deve ser feito? Não há mágica aqui: o desequilíbrio entre oferta e demanda requer menor demanda ou maior oferta. O governo circunscreveu o leque de opções à tentativa de ampliar a oferta no curto prazo, sendo afastada qualquer menção à redução na demanda de energia elétrica, não só com a imposição de cortes compulsórios - o racionamento -, mas, até mesmo, como resultado de uma campanha pelo uso mais racional da energia.

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Para aumentar a oferta no curto prazo, o governo apelou para as que usam óleo combustível, com impactos ambientais negativos, previstas para funcionar somente em caráter especialíssimo ou priorizando o gás natural para a geração de energia térmica. O racionamento para a indústria e para os proprietários de veículos a gás penaliza agentes que passaram a utilizar esta fonte de combustível obedecendo exatamente a um estímulo oficial emitido quando o cenário não contemplava a escassez do gás, e não foi revisto mesmo quando ela se tornou evidente.

Sinais de preço resolveriam naturalmente esse desequilíbrio, mas não, eles não funcionam corretamente no atual modelo. O sistema de formação de preços no setor elétrico é muito complexo, mas a complexidade não é apenas o problema, o grave é que este sistema de preços não cumpre sua função de sinalizar o desequilíbrio no mercado de energia. Na verdade, os preços de energia tendem a subir ao longo de tempo, não apenas como reflexo direto do desequilíbrio atual, pois o impacto nas tarifas depende do custo da energia ao longo do período de referência e o dos contratos já firmados pelas distribuidoras, mas em conseqüência da dificuldade de gerar mais energia aos preços atuais. Na geração hídrica, os melhores aproveitamentos já foram construídos e já fazem parte da matriz energética enquanto na geração térmica há dependência do preço do petróleo e da taxa de câmbio, já que com a redução da oferta de gás, o óleo deverá ser usado com mais freqüência. As exigências de energia limpa demandarão fontes alternativas que são também caras. Além disso, não há previsão no médio prazo de que ocorrerá uma folga na oferta de energia. Um aumento de preço nessas circunstâncias é natural, e esse fenômeno deveria ser explicado à população com clareza.

Há no momento uma esquizofrenia, pois a realidade que a população está vivendo está na contramão da escassez de energia. O fato é que tarifas públicas registraram queda no ano passado, estimulando o consumo, que é oposto do que deveria estar acontecendo. Para entender como essa situação é possível, deve-se fazer uma distinção: o que o usuário paga pelo serviço vem refletido nas tarifas públicas, valor regulado por se tratar da remuneração pela prestação de um serviço público, mas a energia produzida e vendida às distribuidoras de energia é resultante de uma atividade econômica e, por isso, seu preço é, em tese, reflexo do mercado. Somente na época dos reajustes e revisões tarifárias é que o aumento do preço de energia comprada vai ser repassado aos usuários.

Quando redefiniu o modelo do setor, que passou a se chamar o Novíssimo Modelo, o governo pensou ter resolvido o problema de abastecimento porque a expansão da geração decorreria de leilões de oferta em resposta à curva de demanda das distribuidoras. Assim, em teoria, a demanda estaria sendo sempre suprida pelos leilões de oferta. Acontece que não se trata de um leilão puro, pois o preço teto é fixado pelo governo. Por conta disso, quando os riscos aumentam, os investimentos se retraem porque o preço do leilão deixa de ser compensador . O preço resultante dos leilões nem sempre reflete corretamente os custos do setor. Riscos como a possibilidade de faltar gás para as usinas térmicas, custos ambientais e o uso mais permanente de energia a óleo combustível, deveriam ter sido contrabalançados por maior remuneração e não o foram. Não fosse a presença maciça das empresas estatais nos leilões, companhias que reagem menos aos estímulos de preço e mais a ditames políticos, possivelmente, nossa oferta seria menor ainda.

Uma formação mais realista dos preços da energia é a única solução de longo prazo para evitar que a sombra do racionamento volte a ameaçar a economia. Se há opções efetivas de expansão da oferta, baseadas em previsões realistas de substituição do gás natural na geração térmica por GNL, por exemplo, que elas sejam divulgadas para a sociedade, para que os agentes do setor possam avaliar suas opções, planejar e até mesmo contribuir com sugestões. Evitar o racionamento é um dever de todos, inclusive dos consumidores.

Elena Landau é economista e advogada, sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes.