Título: Obama de olho no Brasil
Autor: Sabadini, Tatiana; Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 30/01/2011, Mundo, p. 21

Reaproximação dos EUA com a América do Sul busca diminuir focos de tensão e apostar em áreas como comércio bilateral e energia. Visita do mandatário, em dois meses, é interpretada como reação a uma abertura do governo de Dilma Rousseff

Nos próximos dois anos, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não terá menos desafios do que os que enfrentou na primeira metade de seu mandato. Ele precisará lidar com a guerra no Afeganistão e finalizar a retirada das tropas no Iraque, tentará fazer com que um Congresso mais republicano aprove o fechamento de Guantánamo e a reforma da imigração, além de atender às demandas internas relacionadas ao desemprego e ao deficit. Mesmo assim, a expectativa é que Obama consiga espaço na agenda para olhar em direção à vizinhança, praticamente esquecida no início de seu governo. Neste ano, o cenário já parece diferente. Na última terça-feira, durante seu mais importante discurso anual no Capitólio, ele anunciou que visitará, em março, Brasil, Chile e El Salvador ¿ o movimento foi visto com otimismo pela região.

¿Quando ele falou sobre a visita à América Latina, foi possível ver a importância representada pelo continente a partir de agora, principalmente para o Brasil, que vai ter um peso grande nesse processo. Resta saber se isso se confirma na prática¿, observa Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Nos Estados Unidos, as expectativas também são de aprofundamento nas relações de Washington com a vizinhança. ¿A América Latina e, particularmente, o Brasil, será importante na agenda nos próximos dois anos, já que os Estados Unidos trabalham para encontrar as áreas de acordo e cooperação e para diminuir os pontos de tensão entre os dois países¿, afirma o norte-americano Shannon O"Neil, do Council on Foreign Relations. A diplomacia brasileira recebeu com entusiasmo o anúncio da visita de Obama ao Brasil antes da viagem da presidente Dilma Rousseff a Washington. O gesto e a vinda da secretária de Estado, Hillary Clinton, para a cerimônia de posse de Dilma foram vistos como claras demonstrações da importância crescente do país para os EUA. Para o brasilianista Peter Hakim, do instituto Interamerican Dialogue, é evidente que o governo Obama percebeu o peso de uma boa relação com o país. ¿O Brasil é importante por sua presença e influência internacional, mas também porque, sem o seu apoio, os EUA não podem efetivamente prosseguir com sua agenda na América do Sul¿, explica.

Do lado brasileiro, Obama também deverá encontrar mais disposição para a aproximação. Enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva mantinha uma política que priorizava a relação com os vizinhos sul-americanos, muitas vezes em detrimento do diálogo com Washington, espera-se que Dilma Rousseff não descarte oportunidades com a potência. ¿As relações entre os dois países se deterioraram nos últimos dois anos, e, agora, os EUA tentam aprimorá-las. A presidente Dilma está tentando fazer com que as relações sejam mais práticas. Lula era mais fechado com os americanos e teve dificuldade de negociar¿, diz David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB). Segundo Fleischer, um exemplo claro dessa diferença será o tratamento dado pelo governo Dilma ao Irã ¿ a mandatária indicou que deve ter uma atitude mais forte em relação à violação de direitos humanos.

Ansiedade

Para Michael Shifter, especialista em América Latina da Universidade de Georgetown, o governo Obama já percebeu a ¿abertura¿ representada pelo novo governo brasileiro. ¿Obama está ansioso em tentar obter uma relação mais produtiva. O Brasil é, certamente, o país mais importante para os EUA no continente, depois do México. Mas a relação ainda tem muito espaço para se desenvolver¿, afirma, destacando que é preciso haver um ajuste, com uma maior cooperação nas questões regionais e globais.

A expectativa é de que o encontro entre Obama e Dilma se centre especialmente no comércio bilateral, na questão energética ¿ incluindo pré-sal e biocombustíveis ¿ e na importância de fóruns multilaterais, como o G-20. ¿Os dois países têm problemas de importação, então, um ponto importante seria a inclusão da participação brasileira no sistema geral de preferências para exportações, para que a abertura continue. Obama também deve aproveitar para conversar com Dilma sobre as compras dos caças¿, indica Fleischer.

Na questão dos biocombustíveis, a ideia é não manter o foco sobre a questão das tarifas e dos subsídios que atrapalham a exportação brasileira aos Estados Unidos. Os governantes devem empreender uma esforço conjunto para transformar o biocombustível em uma commodity. ¿O tema do combustível começou com Bush, quando ele esteve aqui em 2005. É bem provável que eles voltem a debater isso, porém dificilmente o assunto será transformado em uma questão pontual¿, comenta Ayerbe. Para ele, o encontro entre Dilma e Obama tem um significado muito mais simbólico do que prático para os dois países. ¿A visita é uma sinalização da importância do Brasil como interlocutor sul-americano e ajuda a obter um maior apoio no grupo G-20 e na Organização Mundial do Comércio (OMC).¿

"A presidente Dilma está tentando fazer com que as relações sejam mais práticas. Lula era mais fechado com os americanos¿

David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB)

"O Brasil é o país mais importante para os EUA no continente, depois do México. Mas a relação ainda tem muito espaço para se desenvolver¿

Michael Shifter, especialista em América Latina pela Universidade de Georgetown