Título: Crédito imobiliário precisa de reformulação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2008, Finanças, p. C6

Em dois anos o atual sistema de crédito imobiliário financiado com recursos da poupança mostrará seu esgotamento, acredita o presidente do Banco Itaú, Roberto Setubal. Para o banqueiro, o sistema de financiamento habitacional terá que passar por uma completa reformulação para efetivamente deslanchar. Na sua avaliação, o crédito imobiliário exige prazos longos e taxas baixas. Os prazos já aumentaram, mas as taxas ainda são salgadas, reconheceu. explicando que uma operação com horizonte de 30 anos exige boa dose de confiança na estabilidade econômica.

Além disso, acrescentou, o mercado só dará um salto quando as taxas forem prefixadas e não flutuantes como são atualmente, corrigidas pela taxa referencial (TR), para casarem com a remuneração oferecida pela caderneta de poupança, fonte da maior parte dos recursos dos bancos privados para o crédito imobiliário.

Com uma remuneração garantida pela TR mais 6% ao ano e isenção fiscal, a poupança impõe um piso para a taxa do financiamento imobiliário e também para outras alternativas de investimento que será posto em xeque à medida que os juros de mercado caírem.

Nos Estados Unidos, de onde veio a inspiração para o modelo brasileiro de crédito imobiliário, primeiro houve uma harmonização fiscal de modo que a poupança tenha uma tributação compatível com a de outras alternativas de investimento. Depois, a própria TR terá que ser reformulada. Nos Estados Unidos, a taxa foi liberada e cada banco paga quanto quer como ocorre no certificado de depósito bancário (CDB). "O problema", assinalou, "é como se faz a transição porque há vários ativos indexados à TR, atualmente. Essa questão é delicada. À medida que a inflação continuar baixando e os juros forem caindo, talvez seja possível zerar a TR. A médio prazo não escapamos de ir por esse caminho. Isso terá que ser resolvido", disse Setubal.

Paralelamente, o mercado terá que desenvolver outros instrumentos de captação de recursos para o crédito imobiliário, como securitização de recebíveis e emissão de títulos longos nos mercados interno e externo, para fazer frente à demanda esperada. Há um déficit habitacional estimado em cerca de 10 milhões de residências, lembrou Setubal.

O banqueiro afirmou não ter dúvida de que o sistema financeiro poderá atender essa demanda e garantir a expansão da construção civil, como fez com indústria automobilística. Setubal está convencido de que foram os bancos que viabilizaram o aumento da produção de automóveis de 1 milhão para 3 milhões de unidades por ano em três anos, com a oferta de crédito de longo prazo e taxas baixas. Atualmente a carteira de financiamento de veículos incluindo leasing é da ordem de R$ 120 bilhões, enquanto a de crédito imobiliário para a pessoa física fica entre R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões.

"O potencial é muito grande e a poupança não tem capacidade para financiar essa expansão", disse Setubal, acrescentando que o crédito imobiliário será claramente o próximo boom do setor financeiro.

A carteira de crédito imobiliário do Itaú atingiu R$ 2,463 bilhões em setembro, praticamente estável em 12 meses porque algumas operações grandes foram amortizadas. Mas a expectativa é de uma expansão de 30% neste ano.

-------------------------------------------------------------------------------- Bancos têm condições de atender a demanda por financiamento de imóveis, como já ocorre na área de automóveis --------------------------------------------------------------------------------

Para cumprir a meta, o Itaú fez recentemente acordo de 20 anos com a Lopes, que deve estimular o financiamento de imóveis usados. Setubal explicou que há produtos financeiros que não são vendidos apenas nas agências. O financiamento de automóveis, por exemplo, é concedido menos nas agências e mais nas revendas e concessionárias. O financiamento imobiliário, no mundo todo, também é feito dentro e fora das agências. Muitas vezes os recursos são concedidos às construtoras para financiar a obra e depois são repassados ao comprador do imóvel novo. "A originação do financiamento ocorre em vários canais e temos que estar presente em todos eles", disse Setubal.

A carteira total de crédito do Itaú, incluindo garantias, cresceu 26,93% nos doze meses terminados em setembro, chegando a R$ 114,071 bilhões. As operações com pessoas físicas ganharam a dianteira, aumentando 31% para R$ 49,174 bilhões, com destaque para o financiamento de veículos, que saltou 62,11%. A previsão do banco era fechar o balanço de 2007 com aumento de 25% a 30% do crédito. O balanço será divulgado em 12 de fevereiro.

Outra meta do Itaú é expandir o crédito consignado. Em uma reunião com analistas no final do ano passado, Setubal reconheceu que não se deu conta do potencial do consignado na arrancada do mercado e agora está "correndo atrás".

O Itaú pode resolver a deficiência no mercado de consignado com uma aquisição. Uma alternativa cobiçada que não deu certo foi o Banco BMG. De toda forma, o Itaú mantém o acordo de compra de carteira com o banco mineiro. "Estamos buscando outras alternativas, que podem envolver outras aquisições. Estamos reanalisando a questão", afirmou Setubal.

O banqueiro explicou que o Itaú busca aquisições que permitam agregar valor na forma de potencial de crescimento. "Isso tem a ver com sistemas operacionais, que sejam escaláveis, isto é permitam crescer. Acreditamos que o mercado vai crescer muito e a base operacional tem que comportar o tamanho que o Itaú vai ter nesse mercado no futuro. Às vezes encontra uma empresa boa mas cuja base operacional é pequena e exigirá novos investimentos. Aí perde valor", explicou.

O Itaú, disse, tem base de capital suficiente para aquisições, sem necessidade de vender ações e diluir a posição dos acionistas. Na apresentação aos analistas no final de 2007, Setubal informou que o Itaú tem lucros não realizados de R$ 8,268 bilhões. Entre os ativos que compõem essa conta consta a participação na Redecard, avaliada em R$ 5,2 bilhões. O total sobe a R$ 9,257 bilhões com a inclusão da participação na Bovespa e na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F).

E há oportunidades no mercado no momento, não só no Brasil mas também no exterior em função da consolidação do sistema financeiro. Uma nova oportunidade que se desenha são os bancos estrangeiros. "Alguns dos bancos estrangeiros mais envolvidos na crise vão perder o foco. A energia terá que ser concentrada na crise para cuidar o incêndio do outro lado e eles podem vender participações", afirmou Setubal. (MCC)