Título: Novos cursos ampliam o ensino da bioenergia
Autor: Boarini, Margareth
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2008, Eu, p. D6

Julio Bittencourt/Valor Érica Custódio Rolim, diretora da SAS, que criou o grupo de energia da EPUSP com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de pesquisas na área Acreditar num futuro promissor nas diferentes áreas da energia no mercado brasileiro não é aposta que deve ser feita apenas por investidores. Engenheiros, agrônomos e qualquer outro profissional que tenha afinidade com o tema deveria pensar em focar sua carreira para este setor extremamente carente de mão-de-obra especializada no país. O Brasil tem as maiores jazidas de vento do planeta e área extensa de plantio para cana-de-açúcar, mas não conta com número suficiente de profissionais capacitados para atender a atual demanda e enfrentar a concorrência internacional.

De olho neste desafio, várias universidades e entidades do país começaram nos últimos meses a anunciar a criação ora de cursos variados sobre energia e bioenergia ora de centros especializados em pesquisa para tentar suprir essa necessidade. Em São Paulo, a empresa SAS, voltada para a área analítica de negócios, fincou parceria com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) na área de energia para criarem um Centro de Estudos em Análise de Riscos. No interior de SP, MG e cidades da região Sul do país, algumas faculdades adotaram o programa do curso de engenharia bioenergética, desenvolvido pelo professor Gustavo Isaia, que une disciplinas de vários cursos de graduação, entre os quais agronomia, engenharia química, engenharia mecânica e engenharia elétrica.

Na região Nordeste do país, o vento também sopra a favor dos profissionais. O setor de energia eólica no Brasil perde ainda em tecnologia para países como a Alemanha e Dinamarca, mas começa a atrair profissionais dispostos a investir na área. O Centro Brasileiro de Energia Eólica, ligado à Universidade de Pernambuco, vê crescer ano a ano mesmo que timidamente o número de currículos de engenheiros interessados em fazer mestrado ou doutorado na área.

"O Brasil tem tudo para ser o primeiro no mercado internacional em energia limpa, mas temos antes que formar e capacitar profissionais para conseguirmos isso", apregoa o professor Isaia, engenheiro civil de formação, com pós na área ambiental e hoje consultor na área de bioenergia. O curso desenhado por ele está baseado em duas linhas mestras, a dos biocombustíveis (que engloba álcool, biodiesel, biogás, entre outros) e a da bioenergia (eólica, solar, hidráulica, geotérmica, entre outras). O curso terá as versões de pós-graduação, na Uniminas (MG), e graduação, com turmas na Unoesc (Universidade do Oeste de Santa Catarina), na Uniara (Araraquara, interior de SP) e na Fumec, localizada na capital mineira. Serão 80 vagas por turma de graduação.

A diretora-executiva do Centro Brasileiro de Energia Eólica, Thaísa Alcoforado de Almeida é outro exemplo de engenheira que decidiu apostar em outra área. Formada em engenharia civil, com especialização e mestrado também na área ambiental, optou por fazer o doutorado em energia eólica. "A experiência que adquiri nas outras áreas da engenharia se tornou fundamental para a minha função atual. Na sua área é preciso ter noções de civil, mecânica, elétrica e eletrônica e até de aeronáutica, além de visão financeira, administrativa e de desenvolvimento de novos negócios. Não é o perfil profissional que o mercado esperava de um engenheiro anos atrás. É um perfil bem mais amplo, com visão técnica e de negócios", justifica Thaísa. A maior dificuldade a ser driblada pelo centro é justamente a falta de doutores para capacitar os profissionais brasileiros. "Temos parcerias com universidades dos EUA, Espanha, Inglaterra e Dinamarca e realizamos intercâmbios frequentemente", diz ela.

Julio Bittencourt/Valor Para o professor Saidel, da escola Politécnica, é hora de formar pesquisadores Na opinião do professor Everaldo Alencar Feitosa, fundador do centro brasileiro e vice-presidente do Instituto Mundial de Energia Eólica, esta busca por profissionais começa a tomar vulto justamente agora por conta do reflexo de um momento de transição histórico vivido por todo o planeta com relação ao uso de energia. "Em 1910, dependíamos do carvão mineral. Nas décadas de 70 e 80, a dependência era fundamentalmente do petróleo e agora a transição é para a energia renovável. Saímos de uma era do uso intensivo de recursos para entrar na era do uso intensivo da tecnologia e do conhecimento. A tarefa de formar e capacitar profissionais não é apenas do Brasil. É do mundo todo, mas temos tudo para ganhar a dianteira nessa corrida", diz Feitosa.

O professor Marco Antonio Saidel, da escola Politécnica e coordenador do Grupo de Energia da EPUSP em parceria com a SAS, tem opinião semelhante. Para ele, é preciso formar massa crítica para o desenvolvimento de pesquisas, projetos e aplicações de que o mercado de energia necessita. Com atividades iniciadas em outubro passado, o Centro de Estudos em Análise de Riscos conta com dois pesquisadores em tempo integral para criar informações para o mercado.

"Depois do período de privatização, as empresas de energia elétrica enfrentam uma fase de crescimento de competitividade e são obrigadas a analisar o aspecto risco de forma mais frequente. Nosso centro pretende casar a experiência do analista que a SAS tem com a capacidade de investigação da universidade para desbravar conhecimentos e disponibilizá-los para o setor", define Saidel. Embora o primeiro projeto do Centro tenha sido direcionado para o setor da energia elétrica, a proposta é que ele desenvolva pesquisas para todas as áreas de energia. Segundo Érica Custódio Rolim, diretora de marketing e novos negócios da SAS, a intenção é compartilhar já a partir de 2008 os resultados das pesquisas com o mercado através de seminários abertos.

Um dos pesquisadores alocados no centro da Poli é Raphael Heideier, engenheiro naval diplomado em 2006 e que trabalhava na área de logística numa grande empresa antes de ingressar na equipe. "Eu já pretendia fazer mestrado. Soube do projeto, fiquei bastante interessado com a possibilidade de desenvolvimento profissional e decidi mudar de área. Na verdade, eu sempre gostei de lidar com incertezas e estudar agora um tema que já me incomodava na época do TCC é muito bom. Estou mais feliz profissionalmente", afirma Heideier, que está fazendo mestrado na área da energia elétrica.

"Nunca imaginei que iria estudar sobre riscos porque eu era muito focado em logística. Minha idéia inicial era que este assunto se aplicava somente a quem mexia com economia, mas agora vejo a importância disso também", afirma o pesquisador do Centro de Estudos de Análise de Riscos da Poli com a SAS.

O agrônomo Onório Kitayama não imaginava em 1971, ano em que começou a trabalhar na Cooperativa Agrícola de Cotia, que se tornaria um dos maiores conhecedores de biocombustível tanto tempo depois. Responsável pela área de bioeletricidade da Única (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), acredita que a capacitação do profissional brasileiro tem que acontecer rapidamente. "Nós já demos um salto tecnológico fantástico nos últimos seis anos, mas ainda não demos esse salto na área de formação do profissional. Imagina quando isso ocorrer. Vai se abrir um campo imenso de trabalho aqui e no exterior para os brasileiros especializados nas mais diferentes áreas da energia", diz.

Na avaliação de Kitayama, primeiro foi o aprendizado sobre o desenvolvimento do álcool como combustível. Depois, a descoberta do potencial das usinas gerarem energia elétrica. Daqui a alguns anos, acredita, será a vez da gaseificação da biomassa. "De agrônomo, tive que aprender noções de energia elétrica. Não apenas as questões técnicas, mas também as relativas ao desenvolvimento de novos mercados. O potencial é muito grande e os profissionais não têm como perder essa oportunidade", diz o assessor da Única.