Título: Estados podem perder verbas federais
Autor: Totti , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, Especial, p. A12

Por melhores que sejam as relações dos governadores com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sete Estados e mais o Distrito Federal deixarão de receber apoio financeiro voluntário da União depois de 30 de junho, se até lá não estiver em funcionamento, e subordinado a um único gestor, o sistema de previdência do seu funcionalismo. Desde que o governo Lula, com apoio dos governadores, conseguiu do Congresso a aprovação de sua proposta de reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 41, de dezembro de 2003, à Constituição Federal de 1988), está vedada "a existência de mais de um regime próprio de previdência para os servidores" e "de mais de uma unidade gestora em cada ente estatal". Por essa reforma o regime de aposentadoria e pensões estadual tem de ser um só para os funcionários dos três poderes e homogeneizados os critérios de distribuição de direitos e obrigações. Servidores da Justiça, da Assembléia, do Tribunal de Contas e do Ministério Público se submeterão às regras previdenciárias dos demais funcionários do Estado.

A partir de 1º de julho, o Estado que não tiver adotado o novo regime deixará de receber o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), fornecido pela Secretaria de Políticas da Previdência Social, órgão fiscalizador subordinado ao Ministério da Previdência Social. A ausência do CRP, revalidado a cada três meses, impede o acesso às transferências voluntárias da União. Ou seja, os Estados só receberão verbas constitucionais - limitadas praticamente ao rateio de impostos - e estará suspenso o dinheiro resultante de convênios, financiamentos de bancos oficiais e outros recursos negociados bilateralmente. As restrições podem atingir obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e até verbas do Ministério dos Esportes para a eventual construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014. Ficam suspensos também os avais da União para empréstimos do Banco Mundial (Bird) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Além do Distrito Federal, os "entes estatais" que ainda não regularizaram sua situação são Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Rondônia e Amapá. Os oito governadores ficaram de enviar, ainda este mês, uma carta ao Ministério se comprometendo a articular com os demais poderes a aprovação do regime único.

Nesses Estados, o Executivo é o responsável pelo pagamento dos benefícios dos três poderes, mas só recebe, no fim de cada mês, um ofício do Judiciário e da Assembléia com a informação do total da conta e o pedido do desembolso do dinheiro correspondente, sem mais explicações. Tribunal de Contas do Estado e Ministério Público agem da mesma forma. Cada uma dessas instituições decide sobre a aposentadoria de seus funcionários com critérios próprios e diferentes graus de generosidade. O Tesouro estadual paga sem saber o número e o salário dos funcionários do outro poder, com quanto contribuem, as perspectivas de aposentadoria e os critérios de remuneração dos benefícios. Suspeita-se que, em alguns Estados, existam pagamentos que superam os limites previstos na lei. Ou aposentados com menos de 40 anos de idade. Pelo menos em um desses Estados juízes aposentados teriam direito a férias. Ou quase isso. Eles estariam recebendo abono anual equivalente a um terço de seus proventos, como ocorre com o chamado "terço constitucional" que acompanha o mês de férias do trabalhador ativo de empresa privada. Tais suspeitas podem ser exageradas, mas só abertura da caixa preta poria fim às especulações. O certo é que a falta de transparência compromete os cálculos atuariais.

"É uma briga necessária", comentou o governador do Rio, Sérgio Cabral, ciente de que vozes se levantarão contra a pretensa violação da autonomia e da separação de poderes. Na maioria dos oito Estados já funciona um sistema novo de previdência, mas a resistência de juízes e deputados - e também de procuradores - é obstáculo à unificação. O secretário da Fazenda do Rio, Joaquim Levy, diz que não se trata de "animosidade entre poderes". Segundo Levy, trata-se, sim, do cumprimento de dispositivo constitucional e da necessidade de gerir com responsabilidade a previdência no Estado. "É um tema cabeludo, mas temos de encará-lo para não colocar em risco projetos de desenvolvimento que incluem, no Rio, obras estratégicas como o Arco Rodoviário (ligação da Baixada Fluminense ao porto de Sepetiba) e a expansão do metrô (Linha 3, Rio-São Gonçalo, com passagem subterrânea pela baía da Guanabara)".