Título: Debate em assembléias promete nova fase
Autor: Vieira , Catherine ; Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, Empresas, p. B3

A temporada de assembléias ordinárias deste ano promete começar a tirar esses eventos do marasmo tradicional. Boa parte das 45 companhias que abriram capital no Novo Mercado da Bovespa em 2007 realizarão os encontros pela primeira vez.

A formação do capital dessas empresas apenas por ações ordinárias modifica a relação dos acionistas com as reuniões. Os minoritários têm direito de manifestar seu voto, tornando tais reuniões mais relevantes. O ambiente com direitos especiais da bolsa paulista já acumula 92 participantes.

A estréia de tantas companhias nessa rotina ocorre num ano emblemático. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara a revisão da instrução 202, que trata do registro de empresa aberta. Entre as mudanças estão previstas exigências para o material das assembléias, oferecido aos acionistas. A idéia é estimular e facilitar a participação dos investidores. Na reunião anual são tratados temas relevantes, mas que recebem pouca atenção no Brasil. É nessa assembléia que os acionistas aprovam o balanço anual, a destinação dos resultados do período, a eleição de conselheiros e a remuneração dos administradores - o mais polêmico dos temas.

Além da CVM, o debate em torno da participação das assembléias vem aumentando entre os próprios investidores. Não por acaso a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid) e a Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) lançaram um código de auto-regulação recomendando que os fundos de investimento participem das assembléias e votem. A regra passa a valer em julho. Ou seja, não atinge as assembléias ordinárias deste ano. Porém, os encontros já serão um teste para a rotina mais exigente prevista para 2009.

Edison Garcia, superintendente da Amec, afirma que apesar de as assembléias gerais ficarem de fora do prazo para início do código, muitos encontros extraordinários ocorrerão no segundo semestre, quando as recomendações já serão válidas. Ele destaca que a recomendação é de participação nas assembléias, de forma geral, seja ordinária ou extraordinária. Os seis meses de carência foram concedidos para as instituições gestoras dos fundos poderem organizar sua estrutura para participar das reuniões.

Fernando Carneiro, do The Altman Group, que assessora companhias na rotina das assembléias, acredita que este ano é de grande importância para mudança da visão das assembléias no mercado brasileiro. Ele lembrou que, além da CVM e da auto-regulação para os fundos de investimento, a Previ, caixa de funcionários do Banco do Brasil, também está pedindo mais informações sobre as assembléias.

O ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade ponderou que durante muito tempo não houve incentivo para o comparecimento em assembléias por conta da concentração de controle. A boa notícia é que a tendência é de mudança gradual desse cenário. "Com o capital cada vez mais pulverizado, passa a valer a pena ir à assembléia."

O diretor de participações da Previ, Renato Chaves, apresentou na semana passada, durante evento promovido na sede da fundação, a proposta de um modelo para manuais de participação nas assembléias. O documento, conhecido como "proxy statement" nos EUA, deveria conter informações para embasar o voto dos acionistas, bem como o procedimento a votação por meio de procuração.

A Previ vem se empenhando em melhorar as informações prévias das assembléias. Além da proposta do manual, encaminhou sugestões à CVM e à Bovespa, para que a questão fosse contemplada no Novo Mercado. A fundação também enviou cartas às companhias nas quais investe. Depois de estudar a situação de 150 companhias, verificou que apenas 11 delas forneciam algum tipo de informação.

No modelo proposto pela Previ, o primeiro ponto seria a obrigatoriedade de apresentar justificativas legais e conceituais para os temas relevantes propostos na assembléia, como por exemplo, mudanças no estatuto da companhia. Outra sugestão é apresentar previamente currículo dos candidatos a vagas no conselho. O terceiro e mais polêmico ponto se refere à remuneração dos administradores. "Esse é um assunto que é sempre cercado de total sigilo, nem mesmo o índice de reajuste da verba global de remuneração que será adotado é apresentado previamente, o que permitira uma avaliação melhor", declarou Chaves.

Pelo modelo da Previ, o ideal seria que, além do reajuste, fossem abertos os valores pelo menos com segregação do total por grupo, como diretoria executiva e conselho de administração, e ainda por tipo, com exposição do montante da remuneração fixa e da variável. Chaves lembra que as assembléias anuais ocorrem todas na mesma época do ano e, muitas vezes, em locais para os quais nem há vôos regulares, já que há exigência legal que seja realizada na sede da companhia. Para investidores com várias participações, as informações prévias detalhadas são essenciais para a orientação de um representante legal sobre voto e organização da questão logística.

Para Marcelo Trindade, o ideal para o debate sobre participação em assembléias, votos por procuração e qualidade das informações é que as regras sejam objeto de auto-regulação. "Um contrato feito pelas próprias partes tende a ser mais efetivamente cumprido do que uma regra imposta", disse.

O advogado societário Pierre Moreau destaca que, com o 'boom' do mercado de capitais, tanto conselheiros quanto investidores podem não ter a experiência necessária para lidar com a realidade de empresa aberta. Ele destaca que é obrigação dos conselheiros tomar as decisões conforme o interesse da companhia, e não em benefício próprio ou de um grupo restrito. Para se proteger de problemas futuros, conselheiros prudentes, muitas vezes, registram votos contrários em separado. No mínimo, podem se abster em questões polêmicas ou pouco fundamentadas. Segundo Moreau, esse procedimento pode ser usado também por acionistas em assembléias.