Título: O vale-tudo da recolocação
Autor: Torres,Izabelle ; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2011, Política, p. 2

Funcionários de parlamentares que não se reelegeram correm contra o tempo para conseguir um emprego na nova legislatura

Em meio aos preparativos para a posse dos novos parlamentares, a maior ansiedade fica por conta dos servidores comissionados que, a partir de hoje, estão oficialmente sem emprego. Eles trabalhavam para deputados ou senadores que deixaram o Congresso porque não se reelegeram, ocuparão outro cargo fora do Legislativo federal ou nem disputaram as eleições. Na Câmara dos Deputados, onde 224 dos 514 parlamentares estão saindo, José Estevam Nascimento Neto inovou no marketing. Motorista há 16 anos de um deputado paranaense que não conseguiu renovar o mandato, ele fincou uma faixa no estacionamento por onde entram os carros oficiais no Anexo 4. ¿Já recebi ligação de dois deputados, mas ainda não fechamos nada¿, conta o mineiro de Uberaba.

Ainda não se sabe, segundo informou a Direção-Geral da Câmara, quantos comissionados serão exonerados. Mas, de acordo com o setor, o número pode chegar a 5 mil servidores ¿ cerca de 45% do total de quase 11 mil funcionários nomeados temporariamente pelos parlamentares da legislatura que acabou ontem. Para Estevam, sua vantagem é conhecer os meandros da Casa e também dos ministérios na Esplanada. ¿Eu acompanhava as pessoas que vinham das prefeituras, ajudava, fazia um trabalho mesmo de assessor¿, conta o motorista de 49 anos. Segundo ele, a maior dificuldade para fechar um novo emprego é o salário oferecido pelos deputados que estão chegando. ¿Eles não sabem do custo de vida daqui¿, diz.

Deborah de Pina recorreu a técnica menos audaciosa que Estevam. Decidiu, enquanto encontrava um ou outro colega, chorando no ombro de alguns deles, entregar currículos. Nos últimos 22 anos como funcionária comissionada da Casa, chegou a ser chefe de gabinete e, admite, é o que mais sabe fazer na vida. ¿O último deputado com quem eu trabalhei, o Sílvio Lopes, não quis tentar a reeleição, cansou mesmo da vida política.

Então, agora a gente se sente meio órfão¿, diz Deborah. Ela lamenta o fato de, depois de tanto tempo trabalhando, não ter direito a uma indenização. Com o único filho, de 27 anos, desempregado, Deborah aposta todas as fichas no corpo a corpo. ¿Estou aqui desde 4 de janeiro, não posso sossegar enquanto não conseguir uma recolocação. Mas as contas que temos de pagar não esperam¿, brinca.

Muitos comissionados se valem da amizade dos patrões que estão saindo com os parlamentares que estão chegando na hora de conseguir renovar o emprego. Para Aderaldo Ribeiro, foi assim. Com 10 anos de Câmara, dos quais boa parte trabalhando para um deputado paraense, ele já está alocado em um novo gabinete para continuar na Câmara.

¿Toda mudança de legislatura é assim, os servidores ficam tensos com a perda do emprego¿, diz o rapaz, enquanto arruma a sala da nova patroa. No Senado Federal, onde 37 parlamentares deixaram os cargos oficialmente a partir de hoje, também haverá exonerações entre os 1.985 servidores comissionados. O número exato, de acordo com a Secretaria de Comunicação, ainda é incerto.

Dia de água e sabão nos gabinetes Foram necessários água, sabão, espanador e uma boa dose de improviso para preparar os gabinetes dos deputados e senadores que tomam posse hoje. Na sala 329 da Câmara, por exemplo, o nome de Felipe Maia (DEM-RN) foi substituído pelo de Jorginho Mello (PSDB-SC) com papel saído da impressora recém-instalada. As paredes brancas, garante o deputado estreante na Casa, serão cobertas por um painel com fotos das praias de Santa Catarina. E no canto direito de sua mesa, completa Mello, haverá um altar com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Enquanto uns já se acomodam, outros ainda estão saindo de seus escritórios.

No gabinete do deputado José Pimentel (PT-CE), ontem foi dia de retirar móveis, computadores e arquivos. Seus assessores cuidaram da transferência dos objetos para o novo local de trabalho do agora senador da República. O deputado que ocupará a sala de Pimentel será Jorge Boeira (PT-SC). No amplo gabinete de Heráclito Fortes (DEM-PI), que ocupou o cargo de primeiro-secretário do Senado, o chão estava brilhando à base de muito esfregão e água. Uma faxina geral foi feita por servidores da Casa supervisionados por assessores do novo ocupante do cobiçado gabinete, o senador Armando Monteiro (PTB-PE). De mudanças substanciais, somente a troca da cor das paredes, de branco gelo para branco neve, e a retirada das muitas divisórias que a sala tinha.

Decoração posterior A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) só conheceu o gabinete onde trabalhará ontem à tarde. Mas garante que dará um tom mais pessoal ao local, hoje com paredes brancas e estantes ainda vazias. ¿Aos poucos, quero trazer meus quadros, minhas flores, coisas que gosto para cá¿, conta. Ela afirma que, quando se mudar para Brasília, em breve, poderá decorar melhor o ambiente de trabalho. Quanto à cerimônia de posse, Benedita admite estar um pouco ansiosa. ¿Mesmo eu, que já fui parlamentar, já exerci outros cargos, fico um tanto emotiva. Cada momento é diferente do outro, sei que não vou dormir bem esta noite¿, diz.

Para diminuir tanta inquietação, Benedita decidiu participar dos eventos para os novos deputados promovidos ontem. ¿Cheguei antes para entrar no clima¿, diz. Outro que também já ocupou sua sala, Jorginho Mello conta com assessores cuidadosos, que ainda não garantiram os painéis das praias catarinenses que ele tanto quer, mas abasteceram bem o frigobar do gabinete. Acima dele, na estante, muitos biscoitos. Balinhas em forma de coração em pequenos potes por toda parte completam a decoração da sala. (RM)

Estrutura bilionária » Edson Luiz

Com um orçamento de R$ 7,5 bilhões, quase duas vezes o valor que o governo do Acre tem para gastar neste ano, o Congresso é praticamente uma cidade dentro de Brasília, por onde circulam 20 mil pessoas diariamente. Mas a maioria dos servidores da Câmara e do Senado não trabalha na sede do Poder Legislativo, mas nos estados onde os parlamentares têm base eleitoral. Os senadores, por exemplo, possuem R$ 90 mil para gastar com servidores, além de R$ 15 mil para manter seus escritórios políticos.

A Câmara tem o maior número de servidores, que usam pelo menos 8, 5 mil computadores diariamente. Eles estão espalhados nas comissões, nos gabinetes, além do plenário e outros departamentos da Casa. Já o senadores têm menos cargos comissionados que os deputados, cujos salários podem chegar a R$ 17 mil, dependendo da função exercida.

Os senadores não possuem verba de gabinete, mas têm direito ao uso de telefone celular sem limite, veículo oficial, cota de internet e R$ 8,5 mil para usar em serviços gráficos, em correspondências, entre outros benefícios.