Título: FMI falhou com a tese do 'descolamento', diz analista
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, Finanças, p. C3

O Fundo Monetário Internacional (FMI) falhou de novo. Assim como foi incapaz de prever o colapso das economias asiática e mexicana nos anos 90, o FMI, em vez de alertar para o impacto mundial da crise imobiliária americana, aderiu à tese do "descolamento" (decoupling), de que a gravidade da crise estaria restrita ao mercado dos Estados Unidos. A crítica é do analista Marcelo Ribeiro, da Pentágono Assets, um dos primeiros a apontar, no país, sinais de recessão nos EUA e de desdobramentos para os outros mercados.

"Desta vez é pior que na crise asiática: além de não ver a crise, o FMI endossou uma visão que induzia o investidor a erro", critica Ribeiro, que distribuiu aos clientes cópia do "Panorama da Economia Mundial", divulgado em abril de 2007 pelo FMI, com argumentos em favor da tese do "descolamento". A partir de modelos econométricos próprios, o FMI concluiu que não foi surpreendente o "limitado impacto global" (até aquela data) da desaceleração na economia americana, porque estaria ligada a fatores internos, nos mercados imobiliário e industrial.

O "Panorama " traçou um cenário otimista para os desdobramentos da crise nos Estados Unidos, com o argumento de que a repercussão mais provável da desaceleração econômica nos EUA seria um impacto "modesto" nas exportações de outros países ao mercado americano. Para justificar o otimismo, o relatório lembrava que o setor imobiliário não é grande importador. "De maneira geral, esses fatores sugerem que a maioria dos países está em condições de 'descolar' da economia dos Estados Unidos, e manter forte crescimento, se a desaceleração americana continuar moderada como se espera", diz o FMI. Países com fortes vínculos de comércio com os EUA poderiam ter suas economias puxadas para trás com a perda de fôlego nos EUA, reconhecia o fundo.

"Pelo peso como formador de opinião, seria melhor que o FMI não tivesse dito nada", diz Marcelo Ribeiro, para quem prejuízos recentes e futuros de investidores com a crise foram ampliados devido ao otimismo equivocado do Fundo. Ele cita três razões pelas quais o FMI não poderia apostar em repercussões modestas da crise dos EUA em países como a China e outros emergentes; uma delas é o efeito, minimizado pelo Fundo, da retração do mercado consumidor americano sobre o comércio global. Outro fator contra os cenários otimistas é, para Ribeiro, a fragilidade do sistema bancário chinês, com moeda subvalorizada artificialmente, taxas de juros irrealistas e uma evidente bolha de consumo no mercado imobiliário, onde se calcula haver US$ 1 trilhão em empréstimos problemáticos -quase o tamanho das anunciadas reservas da China em moeda estrangeira. O risco de uma reversão no ânimo dos investidores é outro fator pode desencadear o contágio global. Há indícios de bolha também no mercado de ações chinês, com valorização de empresas locais, acima do padrão internacional.

O FMI costuma responder a esse tipo de crítica com o argumento de que o panorama mundial não pode ser muito pessimista, sob o risco de criar profecias auto-realizáveis. Esse argumento foi usado pela então diretora-gerente do Fundo, Anne Krueger, quando um órgão independente de auditoria do governo dos EUA apontou, em 2003, a incapacidade do FMI de prever crises econômicas. Entre 1991 e 2001, ocorreram 134 recessões em 87 países em desenvolvimento, e o FMI só captou sinais em 15 delas. A maioria das previsões do FMI sobre as contas correntes dos países também estava errada, apontou o relatório, concluído em 2003.