Título: Corte atrasará atualização do controle de vôo
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2008, Brasil, p. A4

Ruy Baron / Valor Brigadeiro Ramon Cardoso: "O aeroporto de Guarulhos tem limitações físicas, não tem muito mais o que se fazer ali" Os cortes no Orçamento previstos pelo governo para compensar as perdas com a extinção da CPMF têm deixado o major-brigadeiro-do-ar Ramon Borges Cardoso, diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Aeronáutica, preocupado. Com verbas curtas para 2008, o oficial diz que a atualização de todo o sistema será prejudicada se houver contingenciamentos. "É uma escolha de Estado."

Além da defasagem de equipamentos, Cardoso aponta também para o déficit de controladores de vôo. Se consultado, vai aconselhar o governo federal a construir um terceiro aeroporto em São Paulo e recomendar a melhoria de Viracopos, em Campinas. Mesmo com melhorias, Guarulhos não suportará mais o movimento de passageiros em pouco tempo.

O brigadeiro revelou também que, em junho, deverá ser adotado um sistema mais eficaz de informação aos passageiros. Um telão informará onde estará cada um dos vôos previstos.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Houve melhora na segurança de vôo depois da crise? Ou apenas uma melhora na distribuição do tráfego?

Ramon Borges Cardoso: A segurança de vôo não é só responsabilidade do controle de tráfego aéreo. É muito responsabilidade dos pilotos e da manutenção e do estado das aeronaves. No ano de 2007 tivemos quantidade grande de acidentes, mas nenhum deles teve como causa o controle de tráfego. Nesse ponto, a nossa segurança é a melhor possível. O único acidente nos últimos tempos que teve responsabilidade do tráfego aéreo foi a colisão de 2006, mas a falha não foi do sistema, mas humana. Não só de uma pessoa, mas de várias pessoas. O que melhorou foi que nós tomamos conhecimento, depois do acidente de 2006, que precisávamos melhorar algumas coisas.

Valor: E o que avançou?

Cardoso: O treinamento dos controladores. Nas escolas, víamos que precisávamos aprimorar algumas matérias. No sistema como um todo, vimos que algumas partes do software de controle - apesar de não ter sido contribuinte para o acidente - poderiam sofrer modificações. O aviso para o controlador de que a aeronave perdeu o sistema anticolisão pode ser mais chamativo do que é hoje. O aviso aos pilotos também. Em termos de segurança, continuamos muito bem.

Valor: Em 2007, 350 controladores foram formados. Ainda há necessidade de novos profissionais?

Cardoso: Temos déficit de 300 controladores. Nós precisamos chegar em 2010 com 4 mil controladores para suprir o crescimento anual de 12% do transporte aéreo. Hoje, só temos 2,7 mil (incluídos os 350 formados em 2007). Para 2008, eu precisaria já ter 3 mil para cumprir a meta.

Valor: Os cortes feitos para compensar a perda da CPMF podem prejudicar esse processo?

Cardoso: A formação não atrapalha, porque independe desses recursos. Se sofremos corte, o que vai dificultar bastante vai ser a implementação de novos equipamentos e de novos softwares de controle.

Valor: A atualização do sistema pode ficar atrasada?

Cardoso: Pode. Hoje, temos atraso de dois anos entre o que estava planejado e o que está sendo executado. Tínhamos expectativas de receber recursos para tirar esse atraso nos anos de 2008 e 2009. Se houver corte, para nós vai ser bastante complicado.

Valor: Quanto o sr. imaginava de orçamento para atualização de softwares e equipamentos?

Cardoso: O que nós precisamos é de R$ 700 milhões anuais para manutenção e implantação de novos equipamentos e sistemas em 2008 e 2009. De 2010 a 2012, quando vamos implantar novos sistemas, o valor passa para R$ 800 milhões anuais.

Valor: E quanto o Decea vai ter em 2008?

Cardoso: R$ 584 milhões. Só que eu tenho um atraso de dois anos de equipamentos e precisaríamos tirar essa diferença. O ideal é que já recebêssemos uns R$ 250 milhões a mais neste ano para tirarmos o atraso.

Valor: O sr. não está muito otimista?

Cardoso: Digamos que eu estou esperançoso. Ou rezando para que isso aconteça. São decisões que ultrapassam o comando da Aeronáutica. É uma escolha de Estado: vai querer tirar o atraso que sabemos que existe?

Valor: Se for consultado, o sr. apoiará a construção do terceiro aeroporto em São Paulo?

Cardoso: Com certeza. Porque o aeroporto de Guarulhos tem limitações físicas. Não tem muito mais o que se fazer ali. Não dá mais para crescer em termos de pistas.

Valor: Mas não há idéia de uma terceira pista em Guarulhos?

Cardoso: Seria um gasto muito grande para um ganho muito pequeno em quantidade de aeronaves e passageiros transportados. Hoje, se melhoramos a infra-estrutura de Guarulhos, pode haver aumento de 25% de acréscimo do seu movimento.

Valor: Mas ainda assim é necessário um terceiro aeroporto?

Cardoso: Mesmo com esse acréscimo, daqui a pouco ele não terá mais capacidade de atender passageiros. O que nós vemos é que seria necessário um terceiro aeroporto para médio prazo e, de imediato, aumentar a capacidade de Viracopos, em Campinas. Pode-se construir mais uma pista e um terminal de passageiros grande. Tem área para isso.

Valor: Mas é preciso melhorar o acesso.

Cardoso: Sim. O transporte aéreo é muito dependente do transporte de superfície para as pessoas chegarem aos aeroportos.

Valor: E qual deveria ser a capacidade do novo aeroporto? Algo em torno de 35 milhões de passageiros/ano?

Cardoso: Por aí. Tem de ser maior que Guarulhos. Teríamos como distribuir os passageiros por um período longo, de 50 anos. Tem de se pensar agora para o aeroporto operar em dez anos.

Valor: Além de São Paulo, há necessidade de novos aeroportos no Brasil?

Cardoso: Novo aeroporto, não. Mas há necessidade de aumento de infra-estrutura nos atuais aeroportos de alguns lugares. É o caso de Brasília. Em pouco tempo, estará saturado.

Valor: Quanto tempo?

Cardoso: Em dois anos. Precisa melhorar a infra-estrutura. Não pista, mas a capacidade do aeroporto em si.

Valor: Por que o Brasil ficou tão mal colocado na lista dos aeroportos com mais atrasos feita pela revista "Forbes"?

Cardoso: O transporte aéreo está baseado em três pilares: a infra-estrutura do aeroporto, do controle do tráfego aéreo e as empresas aéreas. Se um não funciona, o sistema como um todo apresenta problemas. Há que se fazer uma análise sobre quais os motivos dos atrasos. Aí, voltamos ao problema da infra-estrutura.

Valor: Mas há falha na comunicação aos passageiros.

Cardoso: Está começando a se tratar desse assunto. Isso é responsabilidade das companhias aéreas.

Valor: As companhias alegam que não recebem informações da Infraero de forma satisfatória.

Cardoso: Isso não é verdade. Quem sabe o que está acontecendo com a aeronave é a companhia.

Valor: Ainda assim, quando há algum problema, os passageiros não ficam sabendo.

Cardoso: Esse tipo de comunicação é uma coisa que estamos tentando ver como fazer. Estamos começando a testar um software que vai permitir o envio da informação para o destino e a origem das aeronaves, independentemente da empresa.

Valor: Isso já está em teste?

Cardoso: Vamos fazer no Galeão para ver se é possível. Se der certo, vai ser adotado em toda a Infraero. Vamos colocar, nos aeroportos, um telão que mostra todos os vôos do país ou daquela região. O passageiro poderá ver exatamente onde está o seu vôo.

Valor: E quando vai ser implementado?

Cardoso: A expectativa é terminar os testes em maio e, em junho, colocaríamos já nos aeroportos principais.