Título: Montanha-russa global
Autor: Fariello, Danilo ; Pavini , Angelo
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2008, EU & Investimentos, p. D1

Hoje é um dia decisivo para o mercado de ações no curto prazo. Depois de um dia de devastação nas bolsas mundiais, que levaram o Índice Bovespa (Ibovespa) a cair 6,6% ontem, o mercado americano abrirá de ressaca, podendo direcionar o mundo financeiro a dois caminhos possíveis. No primeiro caso, especuladores e "hedge funds" internacionais veriam as ações em um bom preço para compras, o que ajudaria a conter a queda de 15,93% do Ibovespa no ano. Em uma segunda hipótese, menos alentadora, investidores dos EUA - cujo mercado esteve fechado ontem por conta do feriado de Martin Luther King - acelerariam o ritmo de queda do mercado global de ontem.

Nas mesas de operações de Nova York circulavam na semana passada relatórios que apontavam que seria convidativo acelerar os investimentos em ações quando o contrato futuro do índice S&P 500, da bolsa de NY, voltasse a níveis entre 1.250 e 1.275 pontos. Ontem o mercado futuro nos EUA funcionou e o S&P futuro chegou a 1.265,5, com queda de 4,51%. "Se os 'hedge funds' não entrarem comprando hoje, aí haverá nova dúvida sobre quando o mercado vai se estabilizar", diz Márcio Rochwerger, diretor-executivo da área de ações do Morgan Stanley no Brasil.

Foram os investidores estrangeiros os grandes responsáveis pela forte retração dos preços na Bovespa recentemente. Até dia 17, o saldo de estrangeiros estava negativo em R$ 3,532 bilhões. Como o mercado brasileiro está entre os mais líquidos e de maior desenvolvimento entre os emergentes, nesses momentos de pânico, é mais fácil para o aplicador estrangeiro sair do Brasil e recompor seu caixa, explica Marc Rothfeld, diretor de gestão da Selector Management, alocadora de investimentos internacionais com base nos EUA e ligada ao Banque de Luxembourg. "A facilidade de negociação é ótima no longo prazo, mas tem esse efeito perverso e negativo no curto."

Há aplicadores internacionais de curto prazo reduzindo suas exposições a mercados emergentes, para compensar o crescimento do risco dos EUA, com a crise deflagrada no setor imobiliário, explica Raymond Mui, vice-presidente sênior e gestor global de portfólio da Acadian Asset Management. A Acadian acompanha 6 mil companhias nos mercado global e administra US$ 85 bilhões. "Mesmo que os problemas ocorram nos EUA, há gestores reavaliando o risco de investir em mercados emergentes porque há muitos riscos desconhecidos", disse ele ao Valor. "Nestes momentos, o investidor de mais risco vê tudo como mercado emergente e sai de onde for mais fácil", completa Rothfeld.

Embora a perspectiva de curto prazo seja ligeiramente assustadora, as projeções para períodos mais longos ainda são positivas. Mui, que possui aplicações de longo prazo em ações do Brasil, ainda tem perspectiva favorável para muitas empresas do país. "O Brasil tem empresas com boa gestão nos setores aéreo e de commodities." Isso ajudará o Brasil sofrer menos do que outros países emergentes, diz.

Para Rochwerger, praticamente todas as notícias ruins que surgiram já foram incorporadas à negociação das ações brasileiras após as fortes quedas do ano. Neste mês, entre as ações que fazem parte do Ibovespa, apenas seis apresentam alta. Já as quedas são inúmeras e estrondosas, chegando ao recuo máximo de 29,62% de Gol PN. "Mas a chance é maior de surgirem novas notícias positivas do que negativas e, portanto, o mercado subir mais do que cair ainda no curto prazo", diz o diretor do Morgan Stanley. Uma boa notícia que poderia ser gatilho para uma recuperação seria o anúncio de uma reunião extraordinária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para antecipar cortes de juro - como ocorreu na crise de 2001 -, considera ele.

"Mesmo que não ocorra essa puxada no curto prazo, em um período de um ano, há boa chance de o investidor ter um retorno grande, mas tem de ter sangue-frio para esperar", diz Rochwerger. Para o longo prazo, porém, Nuno Câmara, economista-sênior do banco Dresdner Kleinworth em Nova York, acredita que a crise atual poderá acarretar no atraso da concessão do "investment grade" (grau de investimento) ao Brasil. Isso ocorreria não por conta do aumento de risco e piora de fundamentos, mas como resposta das agências classificadoras ao mercado pelas críticas aos erros que cometeram ao não anteciparem os problemas no setor imobiliário americano.

Se hoje a tensão dos mercados se dissipar e os preços das commodities se acomodarem, haverá alívio para os mercados emergentes, diz Julio Callegari, economista do JP Morgan Brasil. "E ontem, mesmo com a tensão, algumas commodities agrícolas subiram, e isso é positivo para o Brasil, que exporta esses produtos", afirma. Para Callegari, o mercado se convenceu ontem de que a economia americana vai ter impacto forte na Europa e no Japão, por isso as grandes quedas das bolsas nessas regiões. Mas mesmo assim, os analistas não estão olhando todos na mesma direção. "Vamos ter mais detalhes em breve do plano de ajuste fiscal do Bush, dos cortes dos juros nos EUA, e a essa altura vale a pena ser mais cauteloso neste momento", diz. Para ele, o primeiro semestre deste ano vai continuar sendo chave para se saber até onde vai a turbulência nos EUA e como será o descolamento dos emergentes.