Título: Oposição reage contra comando governista em CPI e ameaça obstrução
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2008, Política, p. A6

Ruy Baron/Valor Reunião-almoço da oposição: cúpulas do PSDB, DEM e PPS querem desfazer imagem de acordo para blindar Lula e FHC A decisão do governo de ocupar os dois postos-chave da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) a ser criada para apurar o uso do cartão corporativo da administração pública federal gerou nova crise com a oposição. DEM e PSDB ameaçam obstruir as votações no Senado, caso o governo não abra mão de uma das funções de comando da CPI: presidente ou relator.

As cúpulas do PSDB, do DEM e do PPS, reunidas em uma churrascaria de Brasília com congressistas de outros partidos, favoráveis à CPI, decidiram radicalizar, para desfazer a idéia passada para a opinião pública de um acordo com o governo para blindar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um lado, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de outro.

O evento, que seria uma demonstração pública de unidade e apoio à investigação total, teve momentos de lavagem de roupa suja em público. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) criticou o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) pelo acerto feito com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), para criação da CPI mista, com possibilidade de investigar as "Contas Tipo B" (modalidade de suprimento de fundo anterior ao cartão corporativo) do governo FHC.

"Nunca vi oposição fazer acordo com governo para criar CPI. O governo passado não deveria estar em discussão. O governo passado passou", disse Dias. "Meu objetivo é pegar os desmandos desse governo. Mas é inevitável investigar fato relacionado ao nascedouro do cartão. Se me acha capaz de um acordo para proteger a Presidência da República, me senti ofendido", reagiu Sampaio.

No encontro, não houve consenso sobre os limites da investigação. A única concordância foi a necessidade de exigir a presidência ou a relatoria da CPI, sob pena de a investigação servir apenas para proteger Lula. O presidente do PPS, Roberto Freire, propôs que, caso o governo insista em acumular os dois cargos na CPI mista, a oposição crie uma exclusiva do Senado. A proposta não foi descartada, mas depende do avanço das conversas com os governistas.

A orientação do governo ficou clara em almoço no Palácio do Planalto entre o ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) e os líderes da base aliada na Câmara. O líder do governo no Senado, que fez o entendimento com Sampaio e, na semana passada, defendeu entendimento com a oposição para haver "comando compartilhado" da CPI, foi chamado para explicar sua posição.

José Múcio e o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), não esconderam a intenção do governo. Defenderam o direito das maiores bancadas da Câmara (PT) e do Senado (PMDB) de escolher presidente e relator. "O governo vai acatar o que manda o regimento", afirmou o ministro. "A base aliada quer as regras da democracia. Agora que eles são oposição, querem mudar as regras do jogo", disse Fontana.

A coleta das assinaturas nem terminou e o requerimento da CPI sequer foi protocolado, mas o PT da Câmara já escolheu o futuro relator: o ex-líder Luiz Sérgio (PT-RJ). O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), por sua vez, apressou-se a anunciar que seu partido não cederá a vaga. Convidou o senador Neuto de Conto (SC) para ser presidente. Conto - parlamentar de atuação inexpressiva, que chegou a ser cotado para presidir a Casa - pediu 48 horas para decidir. O prazo se encerra hoje.

De acordo com o Regimento Comum do Congresso, uma CPI mista tem igual número de deputados e senadores, em composição que obedece a proporcionalidade partidária. Tradicionalmente, as duas maiores bancadas dividem a presidência e a relatoria, podendo ceder a vaga a outra legenda, em entendimento.

Em posição divergente do seu partido, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), defendeu publicamente que um dos cargos da CPI seja ocupado pela oposição, para haver uma "divisão equânime" dos postos de direção. Garibaldi está preocupado com a possibilidade de a discussão em torno da CPI paralisar os trabalhos do Senado.

Ontem, ele reuniu os líderes partidários para tentar elaborar uma agenda de votações. Os líderes da oposição concordaram em votar apenas três itens: projeto de resolução que afasta do cargo da Mesa Diretora senador sob investigação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, um acordo internacional do Brasil com Gana sobre serviços aéreos e o projeto que acaba com o recurso obrigatório a instâncias superiores, quando a União perder em processo judicial do qual for ré.

A CPI não foi o único argumento para a obstrução parcial - e ameaça de obstrução. PSDB e DEM também protestaram contra o fato de o governo ter quebrado o compromisso de não adotar um pacote tributário para compensar a perda da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).