Título: Vale pode pagar parte da compra da Xstrata com ações preferenciais
Autor: Balarin, Raquel; Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2008, Empresas, p. B1

A Companhia Vale do Rio Doce poderá fazer uma grande emissão de ações preferenciais para usá-las como moeda de pagamento no ousado plano de aquisição da mineradora anglo-suíça Xstrata, a sexta maior do mundo. O valor da oferta de aquisição poderá ficar entre US$ 80 bilhões e US$ 90 bilhões. E até US$ 30 bilhões desse total poderão vir a ser pagos em ações - seriam 1,2 bilhão de papéis preferenciais a um preço estimado de US$ 25. Na sexta-feira, as ações preferenciais da companhia fecharam a R$ 46,87 (US$ 26,25) na bolsa paulista, com alta de 2,56%. No mesmo dia, as ações da Xstrata chegaram a subir 9,6% em meio aos rumores de que a Vale estaria prestes a formalizar uma oferta. Procurada, a brasileira informou que não comenta rumores.

A oferta de aquisição da Xstrata ainda não foi aprovada pelo conselho da Vale do Rio Doce - onde há resistências, segundo o Valor apurou. Antes de chegar ao conselho, a Vale costura com um consórcio de dez bancos suas opções de financiamento. E o pagamento de parte da compra com ações preferenciais é um dos pontos centrais dessa negociação porque a companhia não pode perder a classificação de risco obtida das agências de rating em 2005. A Vale é considerada grau de investimento, o que a coloca no seleto grupo das companhias com baixíssimo risco. Por conta disso, seu custo de captação de recursos é menor. Se perder esse status, os bancos cobrarão mais caro para financia-la - e a oferta pela Xstrata vai por água abaixo.

A Vale já viveu um dilema semelhante em 2006, quando adquiriu a canadense Inco. Na época, as agências de risco colocaram a empresa em observação e seus executivos tiveram de fazer forte corpo-a-corpo. Agora, porém, os valores envolvidos são bem maiores: a Xstrata pode vir a custar cinco vezes o preço pago à Inco, o que inviabiliza uma oferta para pagamento integral em dinheiro, como foi feito na aquisição da canadense.

Cálculos de executivos envolvidos na negociação indicam que a Vale poderia assumir uma dívida entre US$ 35 bilhões e US$ 50 bilhões sem perder o grau de investimento. Quanto mais perto dos US$ 35 bilhões, melhor. Para isso, é preciso compor o pagamento com ações. É preciso também convencer os acionistas da Xstrata a receber o pagamento em ações preferenciais, que não fazem parte do bloco de controle da Vale. O Valor apurou que a trading Glencore, que detém 35% do capital da Xstrata, já teria topado a idéia. Com isso em mãos, a Vale está procurando os demais acionistas da mineradora anglo-suíça, em sua maioria investidores financeiros, como Axa Investments, Alliance Bernstein, Black Rock.

"São três etapas. Primeiro, é preciso ver se os acionistas da Xstrata topam receber ações preferenciais da Vale - uma tarefa nada fácil. Paralelamente, a empresa negocia o financiamento com os bancos tomando como premissa a manutenção do grau de investimento - e é preciso ter em mente que muitos deles estão retraídos após as fortes perdas com o mercado imobiliário americano ", diz uma fonte que acompanha as negociações. Segundo ela, mesmo com todo o financiamento equacionado, é preciso ainda vencer uma terceira etapa: a aprovação no conselho.

No bloco de controle da Vale, os principais acionistas são Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Bradespar, Mitsui e BNDES. Nesse bloco com forte presença da mão do governo brasileiro, há o temor de que a aquisição da Xstrata possa transformar a Vale em uma mineradora com presença no exterior em excesso, já que mais de 50% de suas jazidas ficariam fora do país. No fim de 2007, por exemplo, surgiram comentários na imprensa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria reclamado que a Vale estaria investindo mais no exterior do que em território nacional. Dias depois, Roger Agnelli, presidente da Vale, negou que Lula estivesse descontente com a companhia. No conselho, outra resistência à aquisição da Vale está baseada na avaliação de que os ativos de mineração estão no pico de preço e que as cotações devem cair com a desaceleração econômica mundial.

Apenas se vencer essas três etapas é que a proposta da Vale pela Xstrata deverá ser formalizada. A partir daí, a mineradora brasileira passa a correr mais um risco: o de que outra companhia venha a fazer uma nova oferta. Quando adquiriu a Inco, por exemplo, a Vale foi a última a oficializar uma proposta. Naquela ocasião, uma de suas vantagens sobre suas concorrentes, entre elas a Xstrata, foi o pagamento integral em dinheiro. Neste fim-de-semana, já começaram a surgir rumores de que a Anglo American (que acaba de adquirir uma participação no grupo MMX, de Eike Batista) poderia fazer uma proposta. E a Anglo só tem ações ordinárias, muito mais bem aceitas do que as preferenciais.

A Vale não pode emitir ações ordinárias sob o risco de diluir a Valepar, sua holding controladora, hoje com 52% do capital votante. Hoje, as ações ordinárias representam 60% do capital total da Vale e as preferenciais (PN), 40%. Se fizer a emissão de PNs para pagar a Xstrata, a participação do capital preferencial passaria a 52%. Um detalhe importante é que as PNs da Vale são do tipo A, que dão direito a voto, mas não tem "tag along" (direito de o minoritário vender seus papéis por valor balizado pelo preço pago ao controlador, no caso de alienação de controle).

Embora a aquisição da Xstrata seja uma operação difícil, a Vale tem em seu favor o fato de ter digerido muito bem a aquisição da Inco. Na época, sua relação entre a dívida total e a geração de caixa operacional (lajida) saltou de 0,7 para 2. Hoje, já caiu para 1,2. Segundo um analista, no limite, esse múltiplo poderia chegar a 2,5 sem que a Vale perdesse seu grau de investimento. Isso significaria um aumento do endividamento de US$ 50 bilhões. Resta saber se a Xstrata é um ativo que compensa uma operação tão complexa e com tantos riscos.