Título: Agenda legislativa sinaliza pouca chance para reformas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2008, Opinião, p. A10

Pode-se esperar muito som e fúria no Congresso este ano, mas não o bastante daquilo para o qual ele foi criado: trabalho legislativo. 2008 tem mais dias úteis que qualquer outro ano em muito tempo e nem por isso os parlamentares labutarão mais. Há eleições municipais, o que praticamente encerra o expediente no Congresso em junho e, depois, a corrida dos dois últimos meses do calendário para votar às pressas algumas dezenas de projetos. A expectativa com a possibilidade de votação de reformas importantes nunca foi tão baixa. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva não as mencionou em sua mensagem à Casa.

Os trabalhos da Câmara começaram do jeito que se esperava: há sete medidas provisórias trancando a pauta. É a continuidade de uma enxurrada de MPs, que em 2007, segundo cálculo da consultoria Tendências, ocupou espaço de 65% das 166 sessões deliberativas da Câmara. Até 22 de março, se nada for votado, serão 23 MPs e quatro projetos com urgência constitucional atravancando a fila (Raquel Ulhôa, Valor, 7 de fevereiro). Esse seria apenas um grande problema, se não houvesse outros igualmente graves.

O escândalo dos gastos com cartões corporativos desembocou em uma CPI que mais criará espalhafato que investigação - um capítulo da busca de bandeiras por parte de uma oposição impotente ante um governo muito popular. Mais importante, tanto pelo volume de dinheiro movimentado como potencial de fraudes futuras, a CPI das Organizações Não-Governamentais corre o risco de seguir pelo mesmo caminho e enveredar pelo partidarismo inconseqüente. O funcionamento das duas comissões encurtará ainda mais o espaço da agenda legislativa, na qual há projetos relevantes, como a reforma tributária.

A votação das MPs que estão na fila não será pacífica. Entre elas está a de criação da TV pública, mais uma das fantasias estatistas do governo Lula, que enfrenta dois tipos de adversários. Um deles são os supostos aliados que integram a base governista, que, claro, querem indicar apaniguados para influir no conselho curador. O outro é a oposição, contrária a esse tipo de TV.

Há poucos projetos na área econômica que podem ser aprovados neste ano, embora isso não seja nada seguro. O governo prometeu inúmeras vezes enviar o projeto de reforma tributária ao Congresso em 2007 e a promessa agora é de que até março ele estará lá, sem que se saiba em qual formato. O projeto de simplificação e fusão de tributos vem se desidratando com o tempo. É significativo que em ano eleitoral o governo tenha aberto mão de unir o IR da pessoa jurídica à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, para não afetar os fundos de participação de Estados e municípios. (Valor, 12 de fevereiro).

Nos estudos para criar dois Impostos sobre Valor Agregado, um federal e outro estadual, o governo cogitou incluir o Imposto sobre Produtos Industrializados, idéia já arquivada, tanto porque ele afeta a repartição de receitas com entes federativos como implicaria alterar subsídios fiscais concedidos às indústrias. Sobraram PIS-Pasep, Cofins e Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico, tributo com nome pomposo que, como vários outros, acabou servindo apenas para fazer caixa. Se algo sair da reforma tributária será a unificação e simplificação da antiga estrutura do ICMS no IVA estadual. Ele enfrenta resistência dos municípios e os Estados nunca se puseram de acordo a respeito de uma medida que reduz a possibilidade de guerra fiscal. O governo não tem a menor vontade de desagradar governadores e estes, em ano eleitoral, não querem estragar chances de seus candidatos nos municípios. Provavelmente, mesmo desidratada, a reforma vá para o limbo.

Outro projeto a ser votado é o que regulamenta a existência das centrais sindicais. O governo foi surpreendido em 2007 na Câmara com uma emenda que acabou com o imposto sindical. O Senado derrubou a emenda e o projeto voltará para a Câmara. A base governista deve prevalecer e manter a sinecura para os sindicalistas.

A pasmaceira legislativa ameaça o futuro. Se 2008 for um ano perdido, 2009 marcará o início da campanha eleitoral pela sucessão presidencial. Todo o segundo mandato de Lula, neste sentido, terá sido um desperdício de tempo precioso.