Título: Mulher de Obama tem papel forte na campanha
Autor: Langley, Monica
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2008, Especial, p. A12

Numa teleconferência em preparação para um dos recentes debates entre os pré-candidatos a presidente dos Estados Unidos pelo seu partido, o Democrata, Barack Obama discutia suas posições com seus principais assessores. Sua mulher, Michelle Obama, havia ligado para ouvir, mas não conseguiu mais ficar quieta.

"Barack", disse ela, "sinta - não pense!". Dizendo ao marido que "pensar demais" nos debates anteriores o tinha feito tropeçar diante da rival, Hillary Clinton, acrescentou: "Não se atrapalhe. Seja intuitivo. Use o coração - e a cabeça."

Os veteranos da campanha se calaram. Eles sabiam que a opinião e conselho da senhora Obama importavam mais para o seu candidato do que qualquer coisa que pudessem dizer.

Em plena corrida para a escolha do candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, a senhora Obama, uma executiva de hospitais de 44 anos, formada na Universidade de Princeton e na Faculdade de Direito de Harvard, está assumindo na vida pública do senador Obama o mesmo papel influente que tem na vida particular dele. Em casa, ela espera muito de cada membro da família, desde que suas filhas, de 6 e 9 anos, ponham seus próprios relógios para despertar até insistir que o marido junte as meias sujas. Sua ordem mais recente para ele: pare de fumar.

Ela emergiu na campanha como uma influente conselheira, vista pelos assessores como um termômetro da atuação deles e do candidato. Eles aguardam "o olhar" entre ela e Obama, no palanque ou em momentos privados, como indicação do humor dele.

Na campanha, ela geralmente é mais insistente em selar acordos com eleitores do que ele. Ela admite, porém, que o receio de que seu humor sarcástico fosse entendido de maneira errada forçou-a a reduzir um pouco sua espontaneidade em público.

O papel dos cônjuges na política presidencial americana evoluiu da esposa sorridente para o de parceiro visível e em pé de igualdade - incluindo agenda de aparições, equipe e opiniões. Com isso, no entanto, vem a possibilidade maior tanto de ser um ativo quanto de ser um passivo.

Na corrida do Partido Democrata, Bill Clinton às vezes é considerado um empático líder do mundo livre - mas às vezes surge como o cão de ataque pronto para uma discussão. Michelle evita cuidadosamente discutir política e estratégia, mas entra nas conversas sobre questões que a afetam pessoalmente, como ser uma mãe que trabalha fora e que supera obstáculos, o que funciona bem com grupos-chave de eleitores, como mulheres trabalhadoras e minorias.

Os Obama se apresentam como iguais. "Somos dois advogados bem versados que se conhecem muito bem", afirmou Michelle Obama numa entrevista ao "Wall Street Journal". "Cada um de nós acha que está certo a respeito de tudo e que pode encurralar o outro." Amigos e membros da campanha os descrevem como uma dupla forte, feita de contrastes: ela é o coração da cabeça dele, o reforço dos seus lapsos, a crítica do seu ego, detalhista nas generalidades dele, o sarcasmo para a sinceridade, a dureza para o seu lado relaxado.

O papel de Michelle Obama na campanha tem crescido de várias formas. Depois de uma participação esporádica no começo, por causa da sua relutância em comprometer sua vida familiar, ela passou a trabalhar a todo vapor. Em Iowa, compareceu a 33 eventos em oito dias diretos. No início deste mês, ela liderou uma manifestação em Los Angeles ao lado de Oprah Winfrey e Caroline Kennedy. Reuniu-se com todos os departamentos da campanha, desde o de novas mídias ao de organização regional, e conseguiu formar um grupo dedicado a buscar o apoio das mulheres.

Mas às vezes o jeito dela pode dar resultado contrário. Quando ela contou em público que seu marido ronca e cheira mal de manhã, não põe a manteiga de volta na geladeira e "um dia se vestiu e foi embora", enquanto ela teve de remanejar vários compromissos para lidar com uma privada entupida, alguns eleitores e observadores acharam que ela estava castrando o marido.

E quando ela disse, alguns meses atrás, que era "agora ou nunca" para a candidatura dele por causa "do fator inconveniência" de uma campanha, algumas pessoas entenderam isso como uma ameaça de que ele não concorreria outra vez se perdesse agora.

"Não foi uma ameaça - mas fazer isso outra vez? Pôr as duas meninas no meio disso de novo?", disse Michelle.

Michelle diz que seu papel "é mostrar às pessoas mais uma face de Barack, fazendo-o ainda mais multidimensional", porque para escolher um presidente as pessoas "querem saber não só a respeito de políticas (...) mas quem você é? No que você acredita? Posso confiar em você?" Os comentários dela sobre as fraquezas dele tinham a intenção de evitar o "endeusamento" do seu marido, diz ela: "Ele é um homem carismático - um dos políticos mais brilhantes que você verá na sua vida - mas no fundo, é apenas um homem."

Num discurso após uma das primárias, Obama chamou Michelle de "a mulher da minha vida e a rocha da família Obama". Mas num momento de sinceridade diante de uma platéia, em março do ano passado, ele disse: "Ela é inteligente demais para concorrer. É verdade, minha mulher é mais inteligente, tem melhor aparência. Ela é um pouco mais dura do que eu sou."

Enquanto a personalidade e a abordagem política consensual de Obama foram formados na criação dele como uma criança miscigenada num mundo predominantemente branco, o estilo de Michelle tem raízes numa família afro-americana da classe trabalhadora na região sul de Chicago - uma área com histórico de violência e vida difícil.

Uma mulher que chama a atenção e é tão alta quanto o marido quando ela calça seus sapatos de salto Jimmy Choo, Michelle cresceu num apartamento de quatro cômodos com a cozinha do tamanho de um armário. Seu pai, operador de bomba na empresa municipal de água, e sua mãe, uma dona de casa, estimularam os dois filhos a ser vitoriosos e ter a educação que eles não tiveram, diz o irmão dela, Craig Robinson. Os dois foram estudar na Universidade de Princeton, quase 1.300 quilômetros a leste de Chicago, nos anos 80.

Em sua monografia em 1985, Michelle Obama escreveu que a experiência na universidade "me deixou muito mais ciente de minha 'negritude'" do que antes, diz, acrescentando que, no campus, "eu sempre serei negra em primeiro lugar e depois estudante". Na faculdade de Direito de Harvard, Michelle, envolvida com a Associação de Estudantes Negros de Direito, se esforçou para aumentar o baixo número de estudantes e professores afro-americanos.

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"Nós entramos em grandes debates sobre a condição do negro nos EUA", disse a colega de Harvard Verna Williams. "Ela tem o gênio forte".

Depois da faculdade de Direito, ela voltou para Chicago e começou a trabalhar na importante firma de advocacia de Sidley Austin, como especialista em direitos autorais. Os amigos disseram que ela se preocupava em estar se vendendo, mas queria pagar as dívidas do crédito educativo.

Então, no mesmo ano, morreram o seu pai, que ela via ir para o trabalho todo o dia apesar de uma esclerose múltipla, e sua melhor amiga desde a época de Princeton. Ela diz que sentiu urgência em procurar a sua verdadeira vocação porque "nada é garantido nesta vida".

Aí entrou Barack Obama. Na Sidley Austin, ela supervisionou um estagiário que era dois anos mais velho mas tinha entrado em Harvard antes dela. Ele queria namorá-la, mas Michelle não queria misturar trabalho e prazer. Uma noite, porém, ele a convenceu a ir a uma reunião de líderes comunitários no porão de uma igreja. "Ele falou sobre o mundo, não como ele é, mas como deveria ser". Ela mudou de idéia sobre o estagiário naquela noite.

Logo depois de ficarem noivos, Obama saiu da firma de advocacia e passou a trabalhar na equipe do prefeito de Chicago na época, Richard Daley, como assessor para agências de serviços sociais, realizando tarefas como encontrar abrigos para os sem-teto durante o inverno. Em 1992 ela casou com Obama, que iniciava uma carreira não muito convencional numa ONG de advogados, ensinando direito constitucional na Universidade de Chicago e escrevendo uma autobiografia chamada "Sonhos do Meu Pai". Eles passaram a morar juntos num apartamento na região Sul de Chicago.

Em 1996, Obama foi eleito para o Senado Estadual de Illinois, onde fica Chicago, e passou a viajar freqüentemente para Springfield, a capital. "Eu nunca pensei que teria de criar sozinha os filhos", disse a ele Michelle, de acordo com o segundo livro de Barack, "A Audácia da Esperança". Ocupada com uma longa jornada em seu próprio emprego, muitas vezes ela se recusou a participar de comícios que interferissem com o tempo reservado por ela para cuidar das filhas pequenas.

Quando Obama se preparava para concorrer a senador da República em 2003, ela tentou convencê-lo a abandonar a idéia, dizem amigos. Eles acrescentam que depois disso ele prometeu que iria "para o alto ou para fora", da carreira política, e ela aceitou relutantemente o papel de esposa de político.

O discurso de Obama na abertura da convenção do Partido Democrata em 2004 o transformou numa celebridade nacional. Seu primeiro livrou virou best-seller e ele ganhou um adiantamento polpudo para escrever o segundo, o que permitiu ao casal pagar dívidas do cartão de crédito e dos créditos educativos e comprar a primeira casa própria, um imóvel de três andares, de tijolos, no bairro Hyde Park, em Chicago. (A esposa de um doador para a campanha de Obama que depois foi indiciado por suspeita de corrupção comprou o lote adjacente e depois vendeu uma pequena parte dele ao casal, algo que Barack classificou a jornalistas como "burrice".)

Naquela época, Michelle trabalhava para o Centro Médico da Universidade de Chicago e foi promovida a diretora de questões comunitárias. Ela também entrou para o conselho de uma empresa de alimentos, a TreeHouse Foods, provocando fofocas de que a sua carreira estava melhorando juntamente com a proeminência política do marido. "Eu entendo porque as pessoas querem ter certeza de que eu não estou usando o poder do meu marido para impulsionar a minha carreira", disse ela à imprensa local. "E não estou". No ano passado, ela pediu demissão do conselho.

Quando Obama chegou ao Senado dos EUA, alguns assessores sugeriram que eles se mudassem para Washington. Michelle disse que não - ela queria deixar as meninas na escola que elas adoravam e continuar trabalhando no centro médico. Até o fim de 2006, com o marido prestes a se candidatar a presidente, Michelle se preocupava com o efeito que isso teria na família e suas finanças. Ela sabia que provavelmente teria de limitar o seu potencial de crescimento profissional para juntar-se a ele na campanha.

Ela também temia pela própria segurança. Disseram-na que se fizessem ameaças de morte contra Obama, o Serviço Secreto dos EUA e a campanha iriam aumentar a segurança. No fim das contas, ela decidiu apoiar a candidatura. "Minha mãe nos criou para não tomar decisões com base em suposições do que pode dar errado, ou nunca conseguiríamos avançar na vida", diz ela.

Michelle mandou seus assessores prepararem as suas aparições na campanha de acordo com as atividades das filhas - recitais de balé, jogos de futebol, reunião de pais e mestres, show da Beyoncé. Ela ficou mais tranqüila quando a mãe decidiu se aposentar no meio do ano passado e ajudá-la a cuidar das filhas Malia e Sasha.

Ela diz que quando o marido está em casa - ano passado ele passou apenas 10 dias lá - ela assume as tarefas caseiras dele. "Quando Barack está em casa, ele tem de participar da vida cotidiana", diz Michelle. "Ele não volta como se fosse o Todo-Poderoso".

A sua equipe de assessores, formada apenas por mulheres, trabalha duro para protegê-la no palanque e ela também a defende. Semana passada, quando um repórter de TV empurrou a assessora de imprensa de Michelle, ela foi dura: "Você encostou a mão num funcionário meu?", perguntou Michelle. "Não toque em ninguém da minha equipe".

Numa viagem de campanha recente, ela usava um tailleur clássico mas ousado, com uma blusa sofisticada e impecavelmente engomada. Era perfeito para eventos de arrecadação de fundos em Manhattan, mas menos adequado para uma reunião com trabalhadoras numa típica lanchonete americana em Greenwich, Estado de Connecticut.

Na lanchonete, ela falou sobre correr para a loja de departamentos no dia anterior vestida com as roupas da academia para comprar papel higiênico e voltar a Chicago no dia seguinte para levar as filhas às aulas de balé e um dos espetáculos da Disney no Gelo.

Uma jovem perguntou a Michelle qual seria a sua "plataforma como primeira dama". "Garantir que meus filhos sejam bem criados", disse Michelle. "Podemos falar da portentosa noção de uma plataforma para a Primeira Dama, mas cá estou, uma mulher que além da carreira profissional tem o trabalho principal de cuidar dos filhos".

Surpreendida, a jovem disse: "Desculpe".

Percebendo que a jovem, recém-formada na faculdade, ainda não tinha enfrentado o mesmo tipo de conflito que ela entre trabalho e família, Michelle pegou na sua mão e suavizou o tom: "É uma questão pessoal", disse.