Título: Bolsa estuda Novo Mercado da renda fixa
Autor: Valenti, Graziella ; Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2008, Finanças, p. C5

Leo Pinheiro / Valor Weguellin, da CVM: Brasil fez o caminho contrário, desenvolvendo primeiro o mercado de ações e depois o de dívida O economista Carlos Kawall fala pouco, mas suas idéias já estão ganhando repercussão antes mesmo de serem plenamente conhecidas. Desde que chegou na Bovespa, há quase um mês, o ex-secretário do Tesouro Nacional ainda não comentou publicamente seus projetos para a nova diretoria de negócios de renda fixa. Ontem, porém, um deles ficou no ar, durante evento do Brazil Excellence in Securities Transactions (Best), programa de empresas e governo que divulga no exterior o mercado brasileiro.

Ao falar sobre o potencial do mercado de emissão de dívida doméstico - ainda pouco desenvolvido -, o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Sérgio Weguellin despertou curiosidade na platéia ao citar um possível "Novo Mercado para renda fixa".

Questionado, Kawall não comentou o assunto. Trataria-se de uma "pensata" sobre como estimular o mercado de dívida corporativa no país, para despertar o interesse dos investidores estrangeiros e ampliar a liquidez dos títulos no mercado secundário. Um projeto semelhante ao Novo Mercado estaria em linha com o que os especialistas vêem como caminho para desenvolver o mercado de dívida brasileiro: auto-regulação.

"O Brasil ainda não tem um mercado de renda fixa privada à altura do seu potencial", afirmou Gilberto Mifano, diretor-geral da Bovespa, quando questionado sobre os planos para os títulos de dívida. "Esse é um trem que está parado na estação, pronto para sair", disse ele, sem, entretanto, falar sobre a partida da locomotiva.

Fora do Brasil, as empresas estão mais presentes no mercado de crédito. Os títulos do Tesouro têm peso de apenas 15% no principal índice de referência de papéis de renda fixa dos EUA. Os outros 85% são dívida corporativa e securitização. No Brasil, o IMA, índice semelhante, só tem papéis do governo.

Em 2000, a bolsa criou o Bovespa Fix para estimular o mercado secundário de títulos de dívida, mas o ambiente não conseguiu mudar o cenário de baixa liquidez dos papéis. No ano passado, o Bovespa Fix e o Soma Fix movimentaram apenas R$ 931,3 milhões - abaixo do R$ 1,2 bilhão de 2006.

A aposta no mercado de dívidas também guarda relação com o atual momento. Após anos de recordes sucessivos em captações com ações, a expectativa é que a dificuldade gerada pela crise internacional desvie recursos para captações com dívida. Alia-se a esse cenário o fato de as companhias estarem pouco alavancadas, o que permitiria uma aumento do endividamento, para terem maior eficiência na estrutura de capital.

Em 2006 e 2007, as companhias obtiveram R$ 131 bilhões com debêntures e notas promissórias, enquanto as ações somaram às empresas R$ 53 bilhões, considerando apenas ofertas primárias, em que o dinheiro vai para a empresa e não para os acionistas.

Desde o fim do ano passado, os especialistas fazem coro de que 2008 pode ser o ano da renda fixa privada. Mas há muitas dúvidas ainda. A primeira delas é motivada justamente pelo apetite do estrangeiro. O interesse desse investidor para títulos de dívida de companhias brasileiras não se compara ao interesse por ações. E boa parte do problema está na ausência de um mercado secundário que garanta liquidez para esses papéis.

Há quem defenda a isenção de imposto de renda para investidores externos nesse tipo de aplicação, a exemplo do que já existe para ações e títulos públicos. Para Mifano, a medida poderia ser um bom caminho, mas ele chamou atenção para o risco de se criar uma demanda artificial pelos papéis. Outro impulso para o desenvolvimento do mercado de crédito privado seria uma participação mais ativa do BNDES como um dos investidores nas emissões.

Até mesmo para a dívida pública, o entendimento é que a participação do estrangeiro ainda é pequena. O diretor de política monetária do Banco Central, Mario Torós, mencionou durante o evento de ontem que no México e nos países do Leste Europeu, esses investidores respondem por cerca de 10% do estoque da dívida, enquanto no Brasil esse índice é inferior a 5%.

Para Weguellin, da CVM, o Brasil fez o caminho contrário. Desenvolveu primeiro o mercado de ações e só agora acelera a rota da renda fixa privada. (*Do Valor Online)