Título: Sinal verde para megaprotesto
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2011, mundo, p. 18

Motel Liberdade. Foi o nome escolhido pelo egípcio Tarek Shalaby para batizar sua barraca, montada na Praça Tahrir, no centro do Cairo. ¿É um nome engraçado, que representa como queremos ser livres¿, afirmou o webdesigner e blogueiro de 26 anos, em entrevista ao Correio, por telefone. Aos poucos, os anseios de Tarek se multiplicaram. ¿Já temos aqui os motéis Liberdade 2, 3, 4 e 5¿, comemora. ¿É incrível a atmosfera daqui. Cerca de 80 mil pessoas estão cantando, dançando, comendo juntas. Outras chegam a todo momento. É um clima bem positivo¿, disse Tarek.

O otimismo e o desejo de romper com três décadas do governo Hosni Mubarak ganharam em intensidade ontem, depois que o Exército descartou o uso da força contra os manifestantes e considerou as demandas do povo ¿legítimas¿. ¿As forças armadas não recorreram e não recorrerão ao uso da força contra o povo egípcio¿, garantiu um porta-voz, por meio de um comunicado divulgado pela agência governamental Mena. ¿A liberdade de expressão de forma pacífica está garantida para todos¿, concluiu. O governo, no entanto, manteve a censura: prendeu seis jornalistas da TV Al-Jazeera e confiscou seus equipamentos, além de bloquear o último provedor de acesso à internet até então em funcionamento.

Tarek só soube da notícia sobre o comunicado do Exército por meio da reportagem. Comemorou, mas se disse preocupado com o que pode ocorrer hoje, durante a chamada ¿marcha de um milhão¿ e a greve geral. ¿É possível que tenhamos combates perto do prédio do Ministério do Interior. Se a Guarda Presidencial estiver lá, estou certo de que abrirá fogo contra nós¿, disse. O tráfego ferroviário está interrompido desde ontem e a companhia aérea EgyptAir cancelou todos os voos entre 17h (13h em Brasília) de hoje e 10h (6h) de amanhã. Preocupada com a possibilidade de um banho de sangue, a Casa Branca exortou o presidente Mubarak a manter a calma. ¿Estamos até agora satisfeitos com a moderação que tem ocorrido e estimulamos isto, mesmo quando vemos os informes de um aumento da participação dos protestos de amanhã (terça-feira)¿, comentou ontem o porta-voz Robert Gibbs. Na véspera do megaprotesto, milhares de turistas começaram a abandonar o Cairo (leia na página 19).

Na noite de ontem (hora local), o vice-presidente Michel Suleiman atendeu ao pedido de Mubarak e propôs um diálogo ¿imediato¿ com os adversários políticos. Segundo a rede de TV CNN, esse intercâmbio teria começado imediatamente. No entanto, as bases das conversas não foram divulgadas e nenhum representante da oposição falou sobre o assunto. De acordo com Suleiman, as autoridades trabalham na implementação das decisões das cortes de apelação que contestaram os resultados das eleições legislativas. O vice prometeu que o governo se mobilizaria para ¿dar conta o quanto antes das prioridades de combater o desemprego, a pobreza, a corrupção e alcançar o equilíbrio entre salários e preços¿. Num gesto de concessão mínima, o presidente demitiu o ministro do Interior, Habib El-Adli, odiado pela população e suspeito de ter ordenado torturas. Em seu lugar, ele colocou Mahmud Wagdi ¿ o ex-diretor de presídios é considerado um ¿linha-dura¿. Farouk Hosni, ministro da Cultura desde 1987, também foi despedido. Aliados do governo preservaram seus cargos, incluindo o chanceler, Ahmed Aboul Gheit, e o ministro da Defesa, Mohamed Tantaoui.

Sem retorno A ¿reestruturação¿ do governo pode se revelar inócua. Horas antes, a Irmandade Muçulmana, o principal grupo de oposição, havia rejeitado o novo governo e defendido que as manifestações ocorram até a queda do regime. ¿A Irmandade Muçulmana (¿) anuncia sua total recusa à composição do novo governo, que não respeita a vontade do povo. E convida o povo a continuar a participar nas manifestações por todo o Egito, para que todo o regime ¿ presidente, partido no poder, ministros e Parlamento ¿ abandone o poder¿, afirma. Não estava claro se a facção aceitou a proposta de Suleiman.

Amr ElBeleidy, morador do Cairo, acusou Mubarak de manter ministros. ¿As pessoas exigem que o regime acabe¿, disse. O egípcio contou que havia poucos policiais nas ruas. ¿Teremos a `marcha de um milhão¿ amanhã (hoje) e espero ver o maior número de manifestantes desde o início do levante. O que vai acontecer ninguém sabe.¿

ANÁLISE DA NOTICIA Barack Obama lava as mãos

No domingo, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu ao colega Hosni Mubarak que permita uma ¿transição que responda às aspirações do povo¿. Em resumo, o líder da nação que se orgulha por ser uma espécie de paladina da democracia não podia vendar os olhos para a violação dos direitos civis, mesmo que cometida por um aliado histórico. Obama provavelmente percebe que a violenta repressão policial no Egito tornou insustentável a situação de Mubarak. A declaração do mandatário americano foi vista, em um primeiro momento, como a decretação da morte política do egípcio.

A Casa Branca tratou ontem de calibrar as palavras de Obama, recusou-se a pedir a renúncia de Mubarak e afirmou, por meio do porta-voz, que essa é uma demanda que cabe ao povo do Egito. É possível que Israel esteja por trás do novo discurso dos EUA. Para o premiê Benjamin Netanyahu, a presença de Mubarak é fator de contenção em uma região explosiva. A aliança israelo-egípcia ajuda a aplacar os ânimos de países árabes que veem na nação judaica um inimigo mortal. Obama também reconhece que o vácuo de poder no Egito abriria espaço para forças islâmicas radicais. (RC)