Título: Contas externas dão mais uma prova de solidez
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2008, Opinião, p. A20

Os dados do balanço de pagamentos de 2007 e as primeiras informações sobre as contas externas de 2008, divulgados nesta semana pelo Banco Central, mostram que a crise internacional ainda não deixou marcas na economia real, com seus efeitos restringindo-se, por enquanto, a um baque nos fluxos financeiros. Até o dia 28 de janeiro havia saído do país, fundamentalmente por causa da crise externa, US$ 1,8 bilhão de investimentos estrangeiros em aplicações em ações e renda fixa. Na mesma conta entraram US$ 39,76 bilhões em 2007 e a expectativa do BC é de que ingressem mais US$ 26 bilhões este ano.

A essa saída, porém, se contrapõe o ingresso, também nos 28 dias de janeiro, de US$ 4 bilhões em investimentos diretos no setor produtivo, que são menos sujeitos à volatilidade dos mercados. Nas projeções do BC, os investimentos diretos devem encerrar o primeiro mês do ano em US$ 4,5 bilhões. Assim, em janeiro já terá entrado no país cerca de 16% dos investimentos diretos projetados para o ano, de US$ 28 bilhões. São, em geral, investimentos pulverizados em diversos segmentos da economia, sendo que a maior operação, de US$ 728 milhões, representou uma troca de ações entre a bolsa de Chicago e a BM&F.

Em praticamente todos os aspectos das contas externas brasileiras, o balanço é positivo e indica que o grau de vulnerabilidade externa do país, hoje, a movimentos de turbulências e crises advindas dos mercados financeiros internacionais é pequeno.

Outro foco de saída de recursos importante foi por meio das remessas de lucros e dividendos. No ano passado as empresas remeteram US$ 21,23 bilhões para suas matrizes no exterior, US$ 5 bilhões a mais do que haviam enviado no ano anterior. Desse total, o setor que liderou em volume de remessas, de US$ 2,7 bilhões, foi o automotivo, cifra que significou aumento de 106% sobre as remessas de 2006. Neste início de ano, as remessas já somaram (até o dia 28 de janeiro) US$ 2,170 bilhões.

Quanto maior for o ingresso de investimentos diretos, porém, maior será a remessa de lucros para o exterior, que tem sido estimulada também pela alta lucratividade das empresas no país e pela valorização da taxa de câmbio. Mais do que a crise, as remessas estão refletindo o bom desempenho da economia doméstica. No caso específico das montadoras, os lucros estão sendo enviados para cobrir prejuízos no exterior.

A virada de superávit para déficit nas contas correntes do balanço de pagamentos já era um movimento esperado, por causa do aquecimento da economia doméstica e pela valorização da taxa de câmbio. Os dados parciais de janeiro mostram, contudo, um déficit de US$ 2,8 bilhões, frente à expectativa do BC de que o déficit em todo este ano seja de US$ 3,5 bilhões. Embora aguardado, o movimento pode estar ocorrendo de forma mais intensa e veloz do que imaginaram as autoridades econômicas.

O déficit em conta corrente, que deve ocorrer este ano depois de cinco anos consecutivos de superávits, não tem praticamente relação com as turbulências recentes. Sua origem pode ser encontrada nas contas de comércio, com o crescimento acelerado das importações movido pela forte demanda interna. O ritmo imposto às importações está muito além da evolução das exportações e esta é uma tendência que tende a se aprofundar neste ano. A alta das importações - os dados de janeiro indicam, pela média diária, crescimento de 45,9% sobre janeiro de 2007 - é um sinal de que a demanda doméstica continua forte e que o câmbio segue valorizado, mesmo diante de um cenário internacional de aversão ao risco. As exportações, também pela média diária, nas primeiras semanas de janeiro tiveram aumento de 20,8%.

Como as condições de financiamento do déficit em transações correntes continuam bastante razoáveis apesar da crise, e o ingresso de investimento direto é um exemplo de financiamento saudável, a distância entre o ritmo de crescimento das importações frente ao das exportações ainda não é motivo de inquietação. A cautela recomenda, entretanto, que esses dois lados da corrente de comércio não fiquem desequilibrados por um tempo longo demais, sob o risco de se recriarem as restrições externas.