Título: Co-gestão melhorou condições dos detentos
Autor: Mandl , Carolina; Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2008, Especial, p. A22

Raimundo Rosélio Costa Freire, de 43 anos, seqüestrou, em 1989, o empresário Abílio Diniz. Passou 11 anos no antigo complexo prisional Carandiru, em São Paulo, palco do massacre de 111 presos, na maior chacina ocorrida em prisões no país. Deixou a cadeia em 1999 e cinco anos depois foi preso novamente. Hoje, cumpre pena por tráfico de drogas em um presídio cearense gerido pela iniciativa privada. Divide a cela, equipada com televisão, cama e banheiro, com um preso. No dia em que a reportagem do Valor visitou o presídio, Freire almoçou baião-de-dois, peixe frito e salada.

O seqüestrador do dono da rede de lojas Pão de Açúcar é um dos mais de 7,3 mil detentos que estão em penitenciárias desse tipo. C.J., um jovem baiano de 25 anos que prefere não se identificar, também condenado por tráfico de drogas, passou nove meses no Conjunto Penal de Lauro de Freitas, na Bahia, administrado pela Yumatã. Lá, de tempos em tempos, recebia um kit com sabonete, pasta e escova de dente e barbeador. Ficava em uma cela com três presos e tinha três visitas por semana.

Durante os nove meses anteriores, porém, C.J. dividiu uma cela de 16 metros quadrados com 15 presidiários. Na Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes da Bahia, ele conta que o cheiro de urina e fezes imperava. O banheiro é um buraco cavado no chão em um canto do cômodo.

Freire não comenta sobre os anos que viveu, segundo ele, sob tortura no Carandiru. Prefere ressaltar as qualidades do presídio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II), situado em Itaitinga, região metropolitana de Fortaleza. "Aqui meus amigos podem trabalhar e estudar. Está certo que Teologia não é melhor faculdade que um preso possa fazer, mas já é alguma coisa", diz, referindo-se ao curso universitário oferecido dentro da prisão.

Enquanto mexe na massa de água e farinha - Freire é o padeiro da cadeia -, o historiador formado pela Universidade Estadual do Ceará incentiva os colegas de serviço a estudar. "A co-gestão é uma conquista histórica dos presos. Esse sistema não pode acabar." E exemplifica: "Quando no Carandiru eu teria uma psicóloga à disposição?"

O baiano C.J. é bem menos entusiasta do modelo de co-gestão do que Freire. Apesar de ter passado por maus bocados na delegacia de entorpecentes, ele diz que lá sua mãe podia lhe levar biscoitos e sucos e a área de convívio dos presos era mais ampla do que em Lauro de Freitas. "É apertado. A gente se sente mal, para onde vai esbarra em alguém", diz. Eduardo Fialho, presidente da Yumatã, que administra a cadeia de Lauro de Freitas, explica que não permite que visitas levem comida para evitar a entrada de armas e celulares. Ainda assim, encontrou dois telefones no presídio em 2007.

O IPPOO II também enfrenta problemas semelhantes a uma cadeia pública. Hoje, opera acima da capacidade: são 700 pessoas onde só poderiam ficar 500. "O cliente (o governo) pede, não temos como negar", explica Afrânio Estrela, gerente-geral do presídio. Com a reforma da maior penitenciária do Ceará, o Estado repassou presos ao IPPOO II.

Os celulares também estão presentes. "A fiscalização é severa, mas a criatividade dos presos surpreende", diz Estrela. Segundo ele, os telefones estão sendo jogados com estilingues pelo lado de fora do presídio.

Para Freire, o seqüestrador de Diniz, ainda que esteja em um presídio com melhores condições, a situação é ruim. "Não tenho liberdade. E nada substitui isso." Enquanto cumpre a pena, planeja como será a vida aqui fora. "Quero fazer um mestrado sobre os presídios no Ceará", diz. Na mesa da padaria, estão alguns livros. Entre eles, "Vigiar e Punir", de Michel Foucault, filósofo francês que escreveu sobre o sistema prisional. (RS e CM)