Título: Dia de posse, dia de protesto
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2011, Política, p. 6

Estudantes invadem o Ministério do Trabalho e fazem manifestação contra o aumento recebido pelos parlamentares

Especial para o Correio

O Congresso Nacional retomou ontem os trabalhos e os protestos contra o aumento dos parlamentares, aprovado em dezembro do ano passado, também recomeçaram. Cerca de 200 estudantes e militantes de partidos de esquerda marcharam da Rodoviária do Plano Piloto à Esplanada, no fim da manhã de ontem, gritando palavras de ordem contrárias ao reajuste. Eles fecharam cinco das seis faixas do Eixo Monumental durante o percurso e permaneceram por cerca de uma hora em frente ao Congresso, mas foram impedidos de entrar pela Polícia Militar (PM). Entretanto, o ápice do movimento de ontem foi a invasão do Ministério do Trabalho, onde entregaram uma carta de reivindicações ao ministro Carlos Lupi.

A ocupação do prédio ocorreu por volta das 13h, em meio a uma correria não planejada, e assustou quem viu a cena. ¿Tomei um susto e fiquei com medo. Não entendi no começo, mas se é contra o aumento dos parlamentares, acho o ato válido¿, disse o servidor Baltazar Vaz de Andrade, que estava no momento da tomada do edifício. Em mãos, os estudantes, que permaneceram a tarde toda no prédio, tinham uma carta de reivindicações em que pediam a revogação imediata do projeto de lei que reajustou os salários dos parlamentares, além de um aumento real de 63% para o salário mínimo e a destinação de 10% do PIB à educação.

O grupo dos estudantes cantava coros como ¿ah, eu não aguento, no final só deputado tem aumento¿ e ¿você aí fardado também foi roubado¿, em referência à presença dos policiais. Alguns deles usavam nariz de palhaço e andavam com cartazes escritos ¿52 trabalhadores = um parlamentar?¿, em uma alusão à quantidade de salários mínimos que um contracheque de deputado ou de senador representa.

Ninguém entra Depois das 16h, todos que queriam entrar no prédio eram barrados pelos estudantes, que fecharam a porta e só liberavam a saída das pessoas. Na tentativa de negociar e fazer com que os jovens desistissem da ocupação, ou pelo menos liberassem o acesso, Carlos Lupi foi até o saguão do edifício, recebeu e ouviu a leitura completa da carta de reivindicações e afirmou que considerava o movimento válido, mas que ali não era o local ideal para o protesto. ¿Cabe ao Congresso decidir o aumento salarial dos parlamentares.¿ Não adiantou. Assim que terminou de falar, tomou uma vaia do grupo e saiu sem ver a situação resolvida.

Pouco tempo depois, o secretário executivo do ministério, Paulo Roberto, também tentou fazer com que os estudantes desocupassem a sede. Em vão. Depois de ter defendido a política para o salário mínimo nos últimos anos, ele lembrou que a restrição da entrada de pessoas no prédio prejudicava as atividades do órgão. Os elevadores e os telefones da recepção ficaram desligados durante a tarde e os funcionários tiveram de usar escadas. O secretário recebeu como resposta o coro de ¿fora, burocratas, fora, repressores, viva a luta dos trabalhadores¿.

A PM acompanhava o movimento do lado de fora do prédio, assim como a imprensa, que não teve acesso ao local. Os estudantes só decidiram sair do prédio no fim da tarde, depois de muitas reuniões internas. A promessa é realizar outro ato no próximo dia 17.

Pressão Mesmo diante da pressão da opinião pública, os parlamentares aprovaram, em dezembro do ano passado, um projeto de lei que aumenta os salários dos deputados, senadores, ministros, do vice-presidente e do presidente da República para R$ 26,7 mil. Desde então, estudantes vêm organizando protestos pelas ruas de Brasília e em outras capitais do país pedindo a revogação da proposta, considerada abusiva.

Festa também para o público

Ao contrário do que se viu na Esplanada dos Ministérios em 1º de janeiro, quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República diante de cerca de 30 mil pessoas, as demonstrações de apoio de eleitores foram bem mais discretas durante as posses dos deputados federais e senadores eleitos, na manhã de ontem. A maior parte do público que foi ao Congresso era formada por familiares, amigos e colegas de partido dos novos parlamentares. Os que não tinham os convites que davam acesso à tribuna de honra dos plenários assistiram às cerimônias por meio de 33 telões espalhados pelos salões, auditórios e salas de comissões do Congresso.

Desde cedo, uma fila se formava em frente ao Anexo III da Câmara. Grupos chegavam em vans e ônibus para acompanhar a posse. No auditório Nereu Ramos, muitos ficavam eufóricos quando seus deputados eram citados.

Com camisetas e adesivos que estampavam o rosto do deputado Sandro Mabel (PR-GO), a dona de casa Crislene Souza e a estudante Karina Souza prestavam apoio ao então candidato à Presidência da Casa. Moradoras do Setor O, em Ceilândia, elas chegaram por volta das 8h. ¿Viemos para marcar presença e mostrar apoio¿, disse Crislene.

Muitos dos presentes na posse eram de fora da capital. Entre eles, um animado grupo de 70 pessoas que chegou de Minas Gerais pouco antes das 9h para ver o deputado Luís Tibé (PTdoB-MG) assumir o seu primeiro mandato. ¿Voltamos para Minas amanhã, mas antes vamos fazer um pagode aqui em Brasília¿, disse Fábio Zói, um dos visitantes que acompanhou a solenidade.

Vendas Ambulantes aproveitaram a movimentação atípica numa terça-feira para garantir dinheiro extra. Com o sol forte e o calor, a água de coco vendida por Divino Souza fez sucesso entre os que esperavam na fila para entrar no Congresso. ¿Acho que hoje vou conseguir lucrar o dobro dos dias normais¿, comemorava o ambulante, que saiu às 5h30 de Santa Maria, onde mora, para preparar as vendas do dia.

Carlos de Castro não teve a mesma sorte. Ele vendia gravatas ¿ obrigatórias para o ingresso em algumas dependências do Congresso ¿ e, às 11h, quando a maioria do público já tinha entrado, ainda não havia obtido sucesso. ¿Hoje o pessoal veio preparado. Mas teve uma mudança das pessoas (na Câmara), vamos ver se a partir de amanhã eu já consigo voltar a ganhar bem¿, disse, bem-humorado, o vendedor, que trabalha no local há cerca de um ano.

Restaurantes ficam lotados

Depois das cerimônias de posse no Congresso, os restaurantes de Brasília fervilharam com as confraternizações dos parlamentares que assumiram seus cargos. O restaurante Dom Francisco, localizado no clube da Associação dos Servidores do Banco Central (Asbac), por exemplo, registrou movimento 150% maior em relação a outras terças-feiras. Segundo o gerente Leonildo Santana, 90% dos clientes ontem vinham da Câmara ou do Senado. Outros restaurantes da cidade, como Porcão e Lake¿s, fizeram reservas de até 30 pessoas por mesa para os parlamentares.

O deputado André Figueiredo (PDT-CE) reservou um espaço à parte no Dom Francisco para receber cerca de 60 pessoas, entre familiares, amigos e políticos de Fortaleza e cidades do interior do Ceará. ¿Foi uma conquista muito grande poder participar dessa cerimônia. Agora nossa expectativa é conseguir divulgar as propostas para valorizar o trabalho e a educação¿, afirmou. Simão Sessim (PP-RJ), que também almoçou no Dom Francisco, comemorou o nono mandato ao lado de filhos, noras e netos. ¿A cada posse a gente se emociona mais, é um dia especial para lembrar do reconhecimento das pessoas que votaram em mim¿, disse o deputado reeleito.

Nas quadras 202 e 402 Sul, carros estacionados em fila dupla tornavam difícil até o desembarque das pessoas dos carros e táxis. O senador Delcídio Amaral (PT-MS) reservou mesa para 30 pessoas no Piantella. ¿É uma data importante e muitos parentes vieram para prestigiar. Aproveitamos para nos reunir aqui¿, disse o parlamentar, que inicia o novo mandato com a pretensão de se tornar presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. (AES)

Nos braços da família

Carolina Khodr

Muitos parlamentares levaram suas famílias para prestigiá-los nas cerimônias de posse ontem. Mulheres, crianças, irmãos, sobrinhos e amigos fizeram parte da multidão que tomou conta dos salões Verde e Negro do Congresso Nacional.

O deputado federal Leandro Vilela (PMDB-GO) fez questão da presença do filho Pedro, de apenas 4 anos. ¿É importante que, desde pequeno, ele entenda o valor desse momento especial em minha vida. Acredito que essa seja uma boa oportunidade para educá-lo quanto aos princípios de cidadania e de amor à pátria¿, disse.

O ex-pugilista Popó (PRB-BA), que assumiu uma vaga de suplente na Câmara dos Deputados, também compareceu à cerimônia com o filho, ¿Popozinho¿, 5 anos, e a mulher, Eliane Guimarães. ¿Eu quis que a minha família pudesse me prestigiar.¿ Quanto ao assédio da imprensa, do público e de outros parlamentares, o deputado disse já estar acostumado. ¿Sempre foi assim. Acho que isso é o resultado de um trabalho bem feito. Se não houvesse esse assédio, alguma coisa estaria errada¿, brincou.

Também bastante disputado, o ex-jogador de futebol e agora deputado Romário (PSB-RJ) esteve presente no evento apenas com a esposa. Isabella Bittencourt, 32 anos, comentou a experiência de acompanhar o marido. ¿Esse é um dos momentos mais importantes da vida dele. Estou emocionada em estar aqui. Jamais imaginei que conheceria o plenário da Câmara dos Deputados.¿ Ela disse que vai continuar morando no Rio com os filhos, mas vai tentar participar dos eventos políticos importantes de Romário em Brasília.