Título: Crescimento e custeio da matriz energética
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2008, Legislação & Tributos, p. E5

Encontra-se em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a análise de um tema que, embora pouco explorado pelas empresas, apresenta repercussão direta na formação do preço de aquisição da energia elétrica, uma das matrizes energéticas mais relevantes da atividade produtiva. Trata-se da tributação da chamada demanda reservada de potência ou, demanda contratada, como também é conhecida.

Esta modalidade de fornecimento de energia elétrica decorre de contratos celebrados entre as empresas consumidoras e as distribuidoras de energia elétrica, por meio dos quais as distribuidoras se comprometem ao fornecimento de demanda mínima de energia elétrica às empresas, recebendo, em contrapartida, o pagamento de determinado valor mensal por essa obrigação.

Quando o fornecimento da energia elétrica é realizado com base nestes contratos, as faturas mensais de energia elétrica listam valores distintos para a demanda e para o consumo. E os Estados, de forma geral, têm exigido das empresas o pagamento do ICMS incidindo tanto sobre o consumo efetivamente registrado como também sobre a parcela mensal correspondente à manutenção da demanda contratada.

Levada ao Poder Judiciário, a tributação da parcela mensal relativa à demanda tem sido francamente repudiada. Vários tribunais de Justiça estaduais já apresentam posicionamento favorável às empresas, situação reprisada no STJ, onde é identificada uma nítida tendência de fechamento de questão a favor das empresas. No STJ, as duas turmas julgadoras responsáveis pela análise do tema possuem julgamentos favoráveis aos contribuintes. Exatamente por esta razão, sequer seria necessário que o tribunal submetesse esta análise à seção, por ser esse órgão formado pelo conjunto dos ministros de ambas as turmas que tem por função primordial o equacionamento de eventuais divergências entre as turmas, situação inexistente neste caso.

Todavia, sensível a um trabalho intenso de convencimento desenvolvido pelas procuradorias estaduais, o STJ reconheceu a relevância da discussão e aceitou deliberar sobre a matéria através de sua seção, de sorte a permitir que, a partir de um julgamento pela integralidade dos juízes competentes para a apreciação da matéria, seja afastada qualquer dúvida quanto à maturidade da análise que será realizada. O resultado deste julgamento, embora parcial, é que, dos nove votos que serão proferidos até seu final, quatro já são favoráveis aos contribuintes e apenas um é contrário.

Em Minas Gerais, para citar um exemplo de tribunal estadual, a situação não tem sido diferente. Identificam-se seis câmaras julgadoras que já apreciaram o tema. Em cinco delas as decisões foram favoráveis aos contribuintes. O argumento acatado nestas análises é o de que, sendo a energia elétrica um bem incorpóreo, insuscetível, portanto, de estocagem, apenas com seu consumo é possível constatar a efetiva circulação de mercadoria, justificando a incidência do imposto, situação inaplicável à parcela remuneratória da demanda.

-------------------------------------------------------------------------------- O ICMS cobrado sobre a parcela de demanda contratada representa, em média, 5,1% da conta de energia elétrica --------------------------------------------------------------------------------

Este raciocínio alinha-se com julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2003. Na oportunidade foi analisada uma lei paulista que equiparava a imobilização de bens produzidos por um determinado estabelecimento e formadores de seu estoque à saída do estabelecimento industrial, com o propósito de caracterizar o fato gerador do ICMS. Caso fosse chancelada a determinação da lei, haveria a obrigatoriedade da empresa de pagar o ICMS sobre o bem imobilizado, mesmo não tendo havido qualquer circulação do mesmo, senão por uma simples e pretendida ficção jurídica então criada. Todavia, entendeu a corte que, por "circulação" de mercadorias, para o fim da incidência do ICMS, deve-se entender a operação que enseja real e efetiva mudança de titularidade do bem.

Constatado o tratamento favorável à matéria no Judiciário, a relevância prática da tributação da energia elétrica revela-se em um levantamento realizado por uma empresa especializada na área de gestão de recursos energéticos. Segundo este estudo, o valor do ICMS cobrado sobre a parcela de demanda contratada representa, em média, 5,1% da conta de energia elétrica das empresas de todo o país, podendo chegar a 8%, dependendo da alíquota utilizada em cada Estado. Embora a energia elétrica não seja a principal matriz energética utilizada pelas empresas de forma geral, havendo a utilização de outras fontes de energia de forma mais intensa, como petróleo, gás natural, lenha e derivados, esta situação não subtrai sua importância como força propulsora da atividade econômica. Além de sua fonte geradora ser integralmente nacional, não se sujeitando, assim, a intempéries externas, como se tem observado no fornecimento do gás natural, também trata-se de fonte energética renovável, o que propicia maior segurança quanto à sua disponibilidade a longo prazo. Nestas circunstâncias, a atenção à formação do preço final desta matriz energética assume um papel central.

Todavia, apesar da relevância da tributação da energia elétrica na formação do preço, dados obtidos no site do STJ apontam que a matéria tem sido explorada ainda de forma incipiente pelas empresas. Uma pesquisa recente identificou pouco mais de 30 decisões do tribunal sobre o assunto. Apenas a título de exemplo e comparação, o mesmo tribunal proferiu mais de duas mil decisões sobre o extinto Finsocial, mais de três mil decisões sobre a Cofins e quase quatro mil decisões sobre o PIS.

Em outra base de comparação, estima-se que apenas no Estado de Minas Gerais existam em torno de oito mil contratos ativos desta natureza, confirmando o baixo nível de discussão do tema, não obstante o posicionamento favorável dos tribunais. Esta análise provoca maior inquietude diante da constatação de que o ano de 2007 tende a ser marcado como a deflagração de um ciclo duradouro de desenvolvimento da economia. Um crescimento do PIB superior a 5%, melhoria das margens de lucro em função do aumento da produtividade e, por fim, incremento de mais de 5% no consumo de energia elétrica, sendo somente o comércio responsável por um aumento de quase 7% desse consumo.

Evidentemente, a segurança quanto à matriz energética configura um elemento fundamental tanto na composição como também na própria confirmação deste cenário, decorrendo esta almejada segurança, dentre outros fatores, da condição de custeio da energia elétrica para as empresas. Neste contexto, certamente deve merecer maior atenção por parte das empresas o tema ora comentado, dada a repercussão financeira que representa no preço final da energia elétrica e, por via de conseqüência, na formação do custo da produção, fator crucial para a definição da competitividade, especialmente quando vislumbrado ciclo de crescimento de longo prazo com sustentabilidade.

Antônio César Giannecchini e Igor Alexander Miranda Carvalhaes são advogados e sócios do escritório Carvalhaes & Giannecchini Advogados Associados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações