Título: Instituições contestam tributação
Autor: Watanabe, Marta ; Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2008, Finanças, p. C6

Depois de uma operação que movimentou bilhões em duas das ofertas de ações de maior sucesso da história do mercado de capitais do país, corretoras de valores travam no Judiciário uma disputa para salvar alguns milhões da tributação sobre os ganhos obtidos com a desmutualização da Bovespa e da BM&F. Além das corretoras do Santander, grupo que era um dos maiores detentores dos antigos títulos da Bovespa, foram à Justiça instituições como Planner, Souza Barros, Fator, Spinelli, Concórdia, Coinvalores, Merrill Lynch, e a Convenção.

Ao todo 26 instituições, entre bancos e corretoras, questionam a cobrança de tributos sobre a atualização de valores dos títulos da Bovespa ou da BM&F. A Receita Federal exige que as corretoras paguem 34% de Imposto de Renda (IR) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre o ganho de capital calculado em cima da diferença entre o custo de aquisição dos títulos patrimoniais - mesmo que isso tenha acontecido há décadas - e o valor deles no momento da desmutualização. As corretoras defendem primeiramente que esse ganho de capital não é tributável porque seria, na verdade, mera atualização contábil dos títulos. Caso esse primeiro pedido não seja atendido pela Justiça, muitos solicitam para que, caso seja tributado, o ganho de capital leve em consideração o valor atualizado dos títulos patrimoniais e não seu preço de aquisição.

Ajuizadas principalmente em dezembro, poucos dos processos já tiveram algum tipo de decisão. O Banco Santander e as duas corretoras do seu grupo foram os primeiros a conseguir uma liminar favorável no Tribunal Regional Federal. Concedida em plantão judiciário, a decisão suspende a cobrança do IR e da CSLL até segunda análise. O banco e as corretoras do Santander questionaram num único processo a tributação da atualização dos títulos da BM&F e da Bovespa. O ING Bank e a corretora do grupo também conseguiram liminar concedida pela primeira instância da Justiça Federal.

Um processo que inclui um total de 12 corretoras - entre elas Fator, Planner, Souza Barros e Coinvalores - obteve obteve liminar parcial para calcular os 34% de tributos levando em conta o custo atualizado dos títulos da BM&F até 2002. A exemplo de outras instituições, essas corretoras defendem que já estaria esgotado o prazo para a Receita cobrar a diferença sobre valores anteriores a 2002.

A possibilidade de corrigir os valores dos títulos até 2002 ameniza o peso da tributação principalmente para aquelas que, em função de deter títulos antigos, teriam custo de aquisição próximo de zero. É o caso da Souza Barros que, na ação judicial, declara que o custo de aquisição de seus títulos na Bovespa seria zero. Caso obtenha vitória na ação, a corretora deixará de recolher um total de R$ 6,4 milhões em IR e CSLL. Os valores em jogo são milionários. Para a Theca, a disputa vale R$ 3,78 milhões relativos aos títulos da Bovespa. Para a Intra, R$ 5,9 milhões. No Fator, a economia seria de R$ 6,8 milhões.

As ações judiciais desse grupo de corretoras são acompanhadas pelo Pinheiro Neto, maior escritório de advocacia da América Latina. Ricardo Luiz Becker e Marcelo Marques Roncaglia, advogados da banca, se negam a comentar sobre os processos do escritório, mas argumentam que a atualização dos títulos se assemelha a uma equivalência patrimonial não tributável.

Um outro grupo de corretoras diz em um dos processos que a cobrança "pode não só trazer danos irreparáveis à saúde financeira das mesmas como até mesmo colocar todo o mercado de capitais do país à beira de um colapso".

A intenção da Receita de cobrar IR/CSLL ficou clara em resposta do órgão em 2007 a uma consulta da Comissão Nacional de Bolsas (CNB). A Bovespa chegou a emitir dois fatos relevantes, tornando a resposta pública e revelando sua discordância. A partir de então, as corretoras decidiram se iriam à Justiça. "Há quem tenha preferido deixar de recolher para ficar sujeito à autuação e discutir o assunto em processo administrativo", diz Paulo Vaz, do Levy & Salomão.

A Bovespa divulgou que fez consulta em seu nome à Receita, mas não quis comentar a resposta. O assunto foi debatido na Associação das Corretoras (Ancor), mas a entidade não quis se manifestar.

Procurado, o Mattos Filho, escritório que acompanha o processo do Santander, declarou-se impedido de comentar sobre suas ações. A advogada Gláucia Maria Frascino, sócia do escritório, limitou-se a explicar os argumentos. Ela lembra que a resposta à consulta do ano passado diverge totalmente daquela que a própria Receita já havida dado em 1997 quando uma cisão deu origem à Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) e à Bovespa Serviços e Participações. "Houve uma mudança de entendimento que traz insegurança jurídica para as corretoras."

Até 2007, tanto a Bovespa quanto a BM&F eram sociedades sem fins lucrativos, portanto, isentas de imposto de renda. Elas funcionavam como uma espécie de clubes fechados, onde apenas as corretoras que eram sócias, ou seja, possuíam títulos patrimoniais, poderiam intermediar as negociações de ações ou derivativos. Com a desmutualização, as duas bolsas passaram a ser companhias abertas.

Na abertura de capital das bolsas, os títulos patrimoniais foram transformados em ações ordinárias das duas companhias. As corretoras precisavam ter um mínimo de títulos patrimoniais para atuar nas bolsas. Várias corretoras, no entanto, foram acumulando muito mais títulos do que precisavam pelo fato de estarem ligadas à bancos que compraram outras instituições que também possuíam corretoras. É o caso dos bancos Itaú e Santander, que eram os dois maiores acionistas da Bovespa, por exemplo. O grupo Itaú com 5,64% do capital da bolsa e o grupo Santander Banespa com 5,56%.