Título: Setor privado espera só mais três meses por avanço na Rodada Doha
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2008, Brasil, p. A2

Carol Carquejeiro / Valor Paulo Skaf, da Fiesp: "Não vamos esperar três anos de braços cruzados" O setor privado aguardará mais três meses por um sinal político de avanço das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). Se nada acontecer nesse período, começará a discutir uma nova estratégia para a política externa brasileira, com ênfase na conclusão de acordos bilaterais e na reavaliação do Mercosul.

"Pelo tempo que já dedicamos a Doha, podemos aguardar mais três meses. Passado o prazo, se não houver nada concreto, temos que discutir a nova estratégia brasileira. Não vamos esperar três anos de braços cruzados", disse Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), após um almoço com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

O prazo mencionado por Skaf coincide com a intenção de Brasil, Estados Unidos, União Européia, Índia e outros países-chave da negociação de realizar uma reunião ministerial em março ou abril, em Genebra, para barganhar um eventual esboço de acordo agrícola e industrial.

Segundo relato dos empresários presentes ao almoço ontem, em São Paulo, Amorim avaliou que, caso não se chegasse a um entendimento político até abril, seria difícil fechar o acordo este ano. Para 2009, as expectativas não são animadoras, pois a eventual vitória de um presidente democrata pode deixar o Congresso americano ainda mais protecionista e haverá um fase de adaptação da nova equipe negociadora, que pode tentar incluir temas, como exigências trabalhistas e ambientais.

Em entrevista coletiva após o encontro com o setor privado, Amorim disse que o Brasil foi procurado pela União Européia para marcar uma reunião técnica em abril e um encontro ministerial em maio a fim de retomar as negociações entre os blocos. Ele voltou a defender, no entanto, que um entendimento é difícil antes de uma solução multilateral. "Se Doha demorar três anos para acabar ou não for mais ter, vamos nos dedicar (aos bilaterais), mas, no momento em que estamos terminando a negociação, é difícil para os dois lados."

Amorim - que regressou no domingo de Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial - disse que é preciso "fazer todo o possível" para selar o acordo de Doha este ano. Ele voltou a afirmar que o "constrangimento duplo" da eleição norte-americana e da crise financeira podem ajudar a concluir a negociação. "Paradoxalmente, a crise pode nos afetar de forma positiva", disse.

Em um período de incerteza econômica e eleições, é difícil imaginar os Estados Unidos reduzindo os subsídios dos agricultores, mas Amorim lembrou que a história demonstra que atitudes protecionistas levam apenas a mais recessão. "Nossa janela de oportunidade se transformou em uma janela de necessidade."

Questionado se o presidente George W. Bush conseguiria renovar a Trade Promotion Authority (autorização do Congresso para que o Executivo americano conduza as negociações), Amorim respondeu que não será fácil, mas que os democratas, favoritos para as eleições deste ano não devem criar obstáculos para um acordo multilateral, porque "o ônus seria muito grande".

"De alguma maneira, é melhor que o antecessor tenha resolvido o problema do que cair na mesa deles (democratas)", reforçou Amorim. Ele lembrou que a Rodada Uruguai também foi negociada em uma administração Bush (George Bush, o pai) e assinada em uma administração Clinton (Bill Clinton, marido da candidata Hillary Clinton). "Não quero aqui fazer nenhuma previsão, mas isso pode ocorrer", brincou o ministro brasileiro.

Amorim fez questão de frisar que o Brasil não aceitará um acordo a qualquer preço. Ele não revelou o limite do país para reduzir as tarifas dos produtos industriais, principal demanda dos países ricos. "Não disse nem para o Paulo Skaf, não vou dizer aqui". Skaf reforçou a posição atual da indústria setor é a suíça 30, que corta a tarifa máxima consolidada de 35% para 16,5%.

Durante o almoço de duas horas ontem em São Paulo, Amorim, Skaf e outros representantes do setor industrial discutiram também temas mais específicos da agenda externa brasileira, como exportações de carne e importações de trigo. Os exportadores reclamam que o Chile voltou a comprar carne brasileira, mas apenas de alguns Estados. A Fiesp também solicitou ao governo que reduza as tarifas de importação para um cota determinada de trigo, que pode chegar em 4,5 milhões de toneladas. Segundo a Skaf, a medida é necessária porque falta trigo no Brasil e a Argentina não está exportando o suficiente. "Por falta de oferta, não podemos onerar toda a cadeia, que chega ao pãozinho e às massas."