Título: Crédito externo a todo vapor
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2008, Finanças, p. C1

Apesar da crise nos Estados Unidos, o crédito bancário continua farto para as empresas brasileiras de primeira linha. A melhor sinalização disso é o empréstimo de US$ 50 bilhões para a Companhia Vale do Rio Doce comprar a mineradora anglo-suíça Xstrata. O total está disponível se a brasileira quiser fazer a operação a prazos que chegam a cinco anos e a juros tão baixos quanto 0,25 ponto percentual sobre a Libor, taxa interbancária de Londres, para o primeiro ano. E a Libor não pára de cair, acompanhando os juros básicos americanos, que foram reduzidos ontem em mais 0,5 ponto percentual, para 3% ao ano. Os bancos brigam a tapa para participar da operação, o maior empréstimo sindicalizado (com a participação de vários bancos) da história do país.

BNP Paribas, Calyon, Citigroup, Credit Suisse, HSBC, Lehman Brothers, Royal Bank of Scotland e Santander são os líderes do empréstimo e vão entrar com valores de US$ 3 bilhões a US$ 8 bilhões cada. O prazo médio será de três anos e o prêmio médio sobre a Libor, de 0,75 ponto percentual. Mas, as condições do empréstimo vão variar de acordo com o que acontecer com a classificação de risco de crédito da Vale durante toda a vida da operação.

Hoje, a Vale é grau de investimento e não pretende sair dessa categoria. Para não provocar rebaixamentos, a Vale não quer tomar mais do que os US$ 50 bilhões de dívida. Pretende fazer o resto da aquisição da Xstrata, de valor de mercado de US$ 70 bilhões, usando ações. No máximo, a Vale vai pagar taxas de 1,25 ponto percentual sobre a Libor ao ano.

O prazo total obtido pela empresa foi excepcional para um empréstimo-ponte para aquisição: cinco anos. Geralmente, esses empréstimos têm prazo máximo de dois anos. Mas, como o mercado de capitais está volátil demais, a Vale pediu mais prazo aos bancos para não ter de se ver forçada a rolar o empréstimo às pressas. Quer escolher os melhores momentos para lançar bônus ou debêntures. Na prática, a Vale conseguiu melhorar as condições do seu financiamento: o empréstimo tomado pela empresa para comprar a canadense Inco, em 2006, de US$ 18 bilhões, pagou juros de 0,4 ponto percentual sobre a Libor, no primeiro ano, e de 0,6 ponto percentual sobre a Libor, no segundo.

Mesmo durante os piores momentos da crise financeira, quando o mercado de eurobônus estava fechado, os empréstimos sindicalizados externos ao país continuaram a acontecer em volumes significativos. Tanto que, no ano passado, bancos, empresas e governo federal conseguiram US$ 35,9 bilhões no mercado internacional em 2007. É o segundo maior valor em um ano, só ultrapassado pelos US$ 48 bilhões de 2006. Mas, os números de 2006 foram distorcidos por uma só grande operação, também da Vale, para a compra da canadense Inco. Excluída essa operação, os números de 2007 foram maiores do que em 2006.

E 2008 promete: além da gigantesca operação da Vale, os bancos têm notado um janeiro com movimento muito acima do usual. A Votorantim está para fechar operação de US$ 1,3 bilhão, sob a liderança do WestLB, BBVA, Citi e Société Générale, que rola empréstimos para aquisições feitos no passado. A oferta de crédito, segundo apurou o Valor, já passou a demanda da empresa. Há de 15 a 20 bancos participantes da operação, dividida em três parcelas. A primeira, de US$ 300 milhões, será para capital de giro. Tem o prazo de três anos e paga juros de 0,55 ponto percentual sobre a Libor. Há duas outras parcelas que têm as exportações como garantia: uma de US$ 500 milhões com o prazo de vencimento em cinco anos, ao custo de 0,725 ponto percentual sobre a Libor, e outra de US$ 500 milhões, com prazo de vencimento em sete anos, com prêmio de 0,825 ponto percentual.

Os rumores são de que uma outra operação de US$ 500 milhões poderá sair, para a compra dos ativos da Esso no Brasil por uma brasileira. A Petrobras não precisaria se alavancar para fazer a aquisição, caso ela seja autorizada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Mas, segundo o mercado, o grupo Ultra e a Cosan poderiam se interessar no ativo.

Também em 2007 foram as grandes aquisições feitas pelas empresas brasileiras no exterior e no Brasil que movimentaram o mercado de captações externas. A Gerdau Ameristeel comprou a americana Chaparral, por US$ 4 bilhões. Também a Braskem tomou, em abril de 2006, US$ 1,2 bilhão para comprar a Ipiranga. A Braskem chegou até a sondar o mercado neste ano, para rolar esse empréstimo, mas preferiu esperar a poeira da crise americana baixar. A volatilidade nos juros dos títulos do Tesouro dos EUA torna difícil a definição de preços para os papéis dos emissores brasileiros, pois a taxa americana é usada como base para cálculo dos rendimentos dos papéis.

Houve também grandes operações para projetos de infra-estrutura, como os quatro empréstimos sindicalizados que somaram mais de US$ 2,5 bilhões para a Queiroz Galvão, Odebrecht, Schahin e Delba. As empresas estão construindo sondas de perfuração de petróleo para a Petrobras. O mercado espera novas operações deste tipo para este ano, à medida que a Petrobras decidir quais são as empresas que vão construir as novas plataformas de perfuração para os poços recém-descobertos.

A participação da República no total captado deve continuar pequena. Em 2007, foi responsável por 8%, a menor fatia do governo no total captado no exterior desde 1996. Com sobra de dólares em caixa, o governo tem ficado fora do mercado e priorizado as emissões em reais.