Título: Dengue preocupa mais que febre amarela
Autor: Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2008, Brasil, p. A7

A febre amarela é a bola da vez mas a doença que preocupa o governo é a dengue. Não há vacina e, para piorar a situação, o esforço de prevenção enfrenta enormes obstáculos. O subsecretário de Vigilância em Saúde, Fabiano Pimenta, diz que uma conjunção de fatores colabora para o aumento dos casos. O abastecimento de água precário obriga as pessoas a usarem tambores, o que permite a proliferação do mosquito transmissor. Outro problema grave é o aumento dos resíduos sólidos. O aquecimento global também tem sua culpa e já levou a dengue para o Rio Grande do Sul, Estado que registrou seus primeiros casos no anos passado.

Em 2007, segundo informações do Ministério da Saúde, foram registrados 1.541 casos de dengue hemorrágica, com 158 mortes. No ano anterior, foram 682 casos e 76 óbitos. Pimenta revela que uma pesquisa de opinião mostrou um quadro assustador: 91% dos entrevistados admitiram saber o que fazer para evitar a reprodução do mosquito, mas 55% deles confessaram que não fazem nada, porque seus vizinhos são omissos. "Convencer as pessoas não depende do nível de esclarecimento. É um grande desafio de comunicação." Pimenta diz que, desde os primeiros casos de dengue, em 1986, vem aumentando a freqüência dos casos mais graves (hemorrágicos). Isso mostra que as pessoas demoram para procurar orientação médica. "Dengue mata, não é gripe."

"O Brasil já perdeu a guerra contra a dengue", lamenta Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde, órgão que reúne representantes dos três níveis do Sistema Único de Saúde (SUS). "Nossa cultura de saúde pública é hospitalar e isso não adianta contra essa doença. São milhões de brasileiros sem saneamento, educação, limpeza urbana, moradia decente e qualidade de vida."

Batista Júnior também adverte que há graves problemas no SUS, principalmente na execução das políticas públicas, realizada por meio da rede básica municipal. Segundo ele, muitos prefeitos vêm desmontando a estrutura que existia. Dá o exemplo de Natal (RN), cidade onde vive. Tem cerca de 800 mil habitantes e a rede de centros de saúde está desfalcada de profissionais capacitados e material. "É um processo que vem desde Fernando Henrique Cardoso, mas Lula não reverteu", avalia.

Muitos prefeitos deram prioridade ao Programa de Saúde da Família (PSF) mas ele é dirigido ao diagnóstico de doenças, não ao atendimento, diz Batista Júnior. Ele cita Belo Horizonte e São José do Rio Preto (SP) como exemplos de eficiência da rede básica de saúde. Mas por causa disso, atraem pessoas de cidades vizinhas, o que inviabiliza o atendimento. Nos casos de São Paulo e Rio, a situação é dramática, porque, sem rede básica suficiente, as pessoas vão diretamente aos hospitais, geralmente sem necessidade.

Outra doença com elevação das ocorrências no Brasil é a rubéola. Pimenta explica que o foco da vacinação era o grupo de mulheres em idade fértil, porque a síndrome da rubéola congênita pode provocar aborto ou cegueira no feto. Esse objetivo de vacinação foi alcançado. Neste semestre, será iniciada a campanha de imunização do grupo de homens entre 12 e 49 anos. Em 2007, foram 6.925 casos verificados, o que significa uma explosão se comparados com os de 2006 (1.631) e 2005 (233). "É de 2007 a recomendação da Organização Mundial de Saúde para ampliar a vacinação", diz Pimenta.

Além de dengue e rubéola, o Brasil também tem estatísticas lamentáveis para tuberculose, hanseníase, malária e leishmaniose. Os sucessos reconhecidos mundialmente foram os programas de tratamento da aids e da doença de Chagas. O país estabilizou o número de casos de tuberculose na média de 85 mil casos novos por ano, com cerca de 6 mil mortes para esse período. Pimenta diz que a aids ajudou a consolidar esse nível da tuberculose, que admite ser muito alto. O longo tratamento depende da persistência do paciente.

Quando o assunto é hanseníase, o subsecretário reconhece que há muitos casos novos, mas ressalta que está caindo a prevalência da doença: de 4 casos por 10 mil habitantes em 2001, reduziu-se para 2,2 em 2006. Pimenta diz que, até 2002, os municípios centralizavam o atendimento e isso dificultava a rotina dos pacientes de hanseníase e tuberculose. Mas diz que o governo está descentralizando e, atualmente, há cerca de 15 mil unidades com prioridade em 384 cidades, principalmente no Norte e Centro-Oeste.

Se a média nacional de 2,76 de casos novos de hanseníase por dez mil habitantes (2005) já é considerada "muito alta" para os padrões internacionais, a situação de alguns Estados é muito pior. Em 2006, foram classificados como em situação de hiperendemia - acima de 4,00/10.000 - Mato Grosso, Roraima, Tocantins, Maranhão, Rondônia, Pará, Goiás, Piauí, Acre, Espírito Santo e Pernambuco. Em 2006, o Brasil teve quase 51 mil casos novos.

Pimenta esclarece que é errado afirmar que algumas doenças estão voltando, porque elas nunca foram embora. No caso da rubéola, o governo afirma que há migração para outro grupo da população. O quadro da malária decorre da ocupação desordenada do espaço. Para as autoridades federais, o combate à tuberculose é dificultado pela aids. "Num país como o Brasil, grande e heterogêneo, combater essas doenças é um desafio, mas os avanços têm sido importantes na doença de Chagas, febre amarela urbana, aids e sarampo."

Jarbas Barbosa, gerente de vigilância em saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e ex-secretário de Vigilância em Saúde (2003-2007) julga que não há deterioração do quadro de doenças no Brasil. Diz que o maior problema das doenças transmissíveis é quando não há vacina, como na dengue. Sobre o atual ciclo da febre amarela, afirma que vacinação em massa tende a ser "irracional". porque provoca revacinação e ainda há casos de pessoas esclarecidas que não se vacinam.

Nas ocorrências de malária, segundo Pimenta, 99,7% dos casos estão na Amazônia Legal, habitat do mosquito transmissor. Há casos esporádicos em outras regiões, mas de pessoas que estiveram na Amazônia ou em países que têm a doença. "O maior problema é a ocupação desordenada do espaço, com pessoas invadindo áreas de mata. Exemplo disso é Manaus e seus igarapés favelizados", diz.

Pouco mais de 20% dos casos de malária estão em Manaus, Porto Velho (RO) e Vale do Juruá (AC). Em 2004, o Brasil teve 464.602 casos de malária, com 100 mortes. Em 2005, foram 603.026 ocorrências, com 95 óbitos. Em 2006, 549.184 registros e 64 mortes.

Apesar dos 57 casos de sarampo em 2006 - foram apenas seis em 2005 - Pimenta diz que a situação é boa, com queda expressiva ao longo dos últimos anos, mas também com "repiques concentrados". Ele esclarece que o maior problema é a não obrigatoriedade de os estrangeiros serem vacinado antes de visitar o país.

Na avaliação de Sonia Fleury, cientista política, professora da FGV Rio e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a política de vacinação tem de mudar o foco, ampliando o alcance dos grupos mais restritos para uma estratégia maciça. Ela reconhece que poucos recursos exigem prioridades mas, atualmente, é difícil acertar o alvo. Diz que, no combate à aids, a tática de concentrar as políticas nos grupos de risco não funcionou. Sobre o aumento dos casos de febre amarela, Sonia critica a "enorme especulação da mídia". Parar ela, o país não está numa situação de pânico. "Não há epidemia. O cenário não piorou, apesar do aumento dos casos."