Título: Fed faz 2º corte nos juros em nove dias para tentar evitar a recessão
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Fonte: Valor Econômico, 31/01/2008, Finanças, p. C2

Com seu segundo corte de juros em nove dias, o Federal Reserve deu seqüência a uma de suas campanhas mais agressivas de afrouxamento monetário da história recente, numa tentativa de cortar pela raiz uma recessão incipiente.

A autoridade monetária americana baixou sua meta da taxa de juros de curto prazo em 0,5 ponto porcentual, para 3%, e deixou as portas abertas para mais cortes; o comunicado que acompanhou a decisão informava que "os riscos de queda do crescimento continuam" e que o Fed vai "agir prontamente conforme necessário para lidar com esses riscos". Os investidores esperam que a taxa caia para 2,75% em março.

O corte de juros ocorre num momento em que as notícias mais recentes sugerem que a economia americana continua a driblar a recessão, mas os mercados financeiros permanecem frágeis. Com a expectativa de alguns investidores de que o corte fosse menor, as bolsas americanas deram inicialmente um salto com a notícia, mas recuaram depois e fecharam em pequena baixa, em parte por causa do temor de que firmas que fazem seguro de títulos de dívida possam ter suas notas de crédito rebaixadas. Isso poderia deixar os bancos expostos a perdas adicionais com os títulos hipotecários que detêm, o que por sua vez pode minar o patrimônio deles e restringir a oferta de crédito.

O governo americano informou ontem que a economia do país cresceu a uma taxa anualizada de apenas 0,6% no quarto trimestre de 2007, menos que o esperado. Houve um desaquecimento no consumo das famílias, mas para um nível ainda respeitável. A maior parte da fraqueza decorreu da redução de estoques das empresas, o que torna cortes de produção futuros menos prováveis. Um levantamento da firma Automatic Data Processing também constatou que o emprego aumentou em janeiro. Isso levou alguns economistas a prever que o Departamento de Trabalho vá divulgar um forte crescimento do emprego no mês amanhã, depois de uma queda em dezembro.

O Fed fez um corte extraordinário de 0,75 ponto porcentual na taxa dos fundos federais, que é cobrada em empréstimos de curtíssimo prazo entre bancos, na terça-feira passada. O fato de ele ter feito o corte de ontem ressalta seu temor de que a crise no mercado imobiliário e as perdas associadas a hipotecas possam ainda arrastar a economia.

A questão agora para o Fed é se ele fez o suficiente. A autoridade monetária deu indicações ontem de que continua a haver preocupações com o crescimento. "Os mercados financeiros continuam sob uma pressão considerável e o crédito se apertou mais para algumas empresas e domicílios", argumentou o Fed. Batendo na mesma tecla do comunicado da semana passada, o Fed salientou que "informações recentes indicam um aprofundamento da contração imobiliária bem como um afrouxamento no mercado de trabalho".

Mas o comunicado também recuou em relação ao tom de urgência da semana passada, retirando o "apreciável" de "apreciáveis riscos negativos ao crescimento". E o comunicado de ontem também tinha um lembrete do quanto já foi feito: "A decisão de hoje da política monetária, junto com aquelas tomadas anteriormente, deve ajudar a promover um crescimento moderado com o passar do tempo e a mitigar os riscos à atividade econômica", disse a nota.

Isso sugere que o Fed deixou as portas abertas para mais cortes, mas pode não ser tão agressivo quanto alguns no mercado esperam. Os mercados esperam que a taxa de fundos federais caia a 2,25% até o fim do ano.

O equilíbrio entre fazer muito pouco e fazer demais pode ser o maior desafio com que se depara atualmente o presidente do Fed, Ben Bernanke, que amanhã completa dois anos no cargo. Se sua política tiver sucesso, a economia escapará da recessão, poucos cortes de juros adicionais serão necessários e, paradoxalmente, suas medidas podem acabar parecendo excessivas.

Os primeiros três cortes de juros do Fed, no fim do ano passado, somaram 1 ponto porcentual e foram feitos com o olho ainda voltado para a inflação. Mas à medida que a economia como um todo aparentava estancar em dezembro e as condições financeiras se deterioravam em janeiro, Bernanke sinalizou um foco mais definido no apoio ao crescimento econômico. Na terça-feira da semana passada, na seqüência de uma desova global de ações, ele agiu com essa perspectiva, surpreendendo ao cortar em 0,75 ponto porcentual a meta dos fundos federais, cobrada de empréstimos interbancários no overnight.

Embora Bernanke tenha sido acusado por alguns de lentidão para responder à fraqueza da economia, seus cortes de juros, que juntos somam 2,25 pontos percentuais, já estão empatados com os de 2001 como os maiores cortes num período tão curto em duas décadas. Além disso, o Fed começou a cortar a partir de um nível mais baixo no ano passado do que o de 2001 e quando a economia ainda estava crescendo mais do que no começo de 2001.

O Fed está "antecipando" tanto afrouxamento quanto possível como uma forma de "seguro" contra a improvável possibilidade de uma recessão séria e profunda. Isso significa que, se o seguro acabar sendo desnecessário, os juros vão estar baixos demais e a inflação poderá começar a subir. "Eles agiram agressivamente para derrubar; isso sugere que vão agir com a mesma agressividade para aumentar", disse Vincent Reinhart, um ex-funcionário do Fed que atualmente trabalha no Instituto Empresa Americana.