Título: Ministério Público e vestibulandos vão à Justiça contra sistema de cotas
Autor: Carvalho, Luiza de
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2008, Legislação & Tributos, p. E1

Na semana passada, uma estudante que, pela quinta vez consecutiva, não conseguiu passar no vestibular de medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), foi ao Ministério Público Federal no Estado reclamar de supostas irregularidades na classificação das provas dos alunos que prestam o concurso pelo sistema de cotas - que reserva vagas nos cursos a alunos do ensino público e afrodescendentes -, no qual se insere. Ela é uma das centenas de vestibulandos em todo o país que estão indo novamente à Justiça questionar o sistema. No caso da estudante paraense - que conseguiu que o Ministério Público Federal ajuizasse uma ação civil pública - a alegação é a de que o método utilizado pela universidade não estaria respeitando o direito dos cotistas. O mais comum, no entanto, são ações - individuais ou civis públicas - que questionam a própria legalidade da reserva de vagas no ensino superior.

Desde que começou a ser adotado pelas universidades públicas, em 2003, o sistema de cotas têm sido alvo de diversas ações judiciais a cada vestibular. Como não está previsto em lei, as instituições, valendo-se da autonomia universitária, adotaram critérios próprios para reservar vagas a determinados grupos sociais. Hoje 47 das 257 universidades públicas brasileiras já adotaram sistemas de cotas. Como ainda não há jurisprudência formada na Justiça sobre o tema, em cada Estado a postura - tanto do Ministério Público Federal quanto da Justiça Federal - é diferente.

No Paraná, a universidade federal, que reserva 40% das vagas a cotistas, já sofreu cerca de 70 ações judiciais movidas por alunos não-classificados no vestibular por causa das cotas desde 2005. As decisões de primeira instância são divergentes e, em uma delas, da 1ª Vara Federal de Curitiba, o juiz indeferiu a liminar por entender que "é chegada a hora de todos nós repartirmos o valor da dívida com o povo negro". No Rio de Janeiro, a universidade estadual (UERJ) respondeu na Justiça mais de 200 mandados de segurança do tipo, somente em 2003. "As decisões foram suspensas e só vai ocorrer uma pacificação judicial com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)", diz o advogado Renato Ferreira, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ. A corte já foi chamada a se manifestar em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra a lei estadual que estabeleceu o regime de cotas nas universidades do Rio e que ainda aguarda julgamento.

Antes restrita a vestibulandos, a discussão judicial agora já chegou ao Ministério Público. Em Santa Catarina, o Ministério Público Federal obteve uma liminar em primeira instância determinando que as vagas destinadas aos cotistas do vestibular de 2008 da universidade federal (UFSC) - que desde o ano passado reserva 30% das vagas a alunos negros e egressos do ensino público - sejam canceladas e ocupadas, por ordem de classificação, por candidatos do sistema universal de vagas. A UFSC recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que ainda não julgou o caso.

Para Davy Lincolm Rocha, procurador da República no Estado, o "débito histórico" da nação deve ser pago por toda a população - não apenas pelos vestibulandos - e de maneira uniforme. "Se o TRF cassar a liminar, entrarei com uma ação civil pública para que as cotas sejam também instituídas nos concursos para juízes e procuradores", diz. A jurisprudência em formação no TRF, no entanto, indica que este pode ser, de fato, o próximo passo. Segundo Rocha, o TRF já cassou mais de 40 mandados de segurança concedidos em primeira instância para alunos que se sentiram prejudicados pelas cotas.

A última liminar cassada foi a de um processo patrocinado pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Santa Catarina (Sinepe), que chegou a ir ao Supremo, mas a ministra Ellen Gracie não julgou o caso por entender que não cabe à corte analisar mandado de segurança de tribunal

Já no Pará, o Ministério Público Federal agiu em sentido oposto do de Santa Catarina. Após reclamações de vestibulandos cotistas, foram ajuizadas duas ações civis públicas - uma em Belém e outra em Marabá - ambas pedindo à Justiça que exija da Universidade Federal do Pará (UFPA) respeito ao sistema de reserva de 50% das vagas na seleção dos candidatos aprovados para disputar a terceira fase do processo seletivo. Os dois pedidos foram negados, mas ainda não há decisão de mérito. Para Marco Mazzoni, procurador da República em Marabá, há uma resistência na primeira instância em aceitar o sistema de cotas.