Título: Governo vacila ante os cortes no Orçamento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2008, Opinião, p. A12

Ao sofrer um golpe com a derrubada da CPMF, o governo Lula abriu um flanco perigoso para os três anos que restam do mandato. A derrota na CPMF ressuscitou os descontentes, os oportunistas e os fisiológicos, todos eles surpresos ao verem um presidente muito popular, uma economia vigorosa como nunca antes na história desse país e uma base política em frangalhos, com a qual o governo se relaciona ora como mendicante ora como feitor.

Há um erro que o governo já comete há cinco anos: a falta de coordenação política. Ela se iniciou com um grande organizador de problemas, José Dirceu, e não terminou. Lula tem um mestre de articulações com o Congresso a cada ano, sem progressos, quando não com desastres, apesar dos fracassos da oposição e de sua vontade pública de encontrar um lugar à sombra da coalizão-ônibus governista.

Foi uma boa derrota o fim da CPMF. Os petistas e Lula sempre foram contra este imposto, um dos piores que o Brasil já teve. Há boa chance de a economia continuar crescendo sem que a carga tributária seja tão extorsiva quanto antes. A necessidade de um rearranjo nas contas públicas é óbvia, a forma de fazê-la, porém, não é trivial. O governo começou bem nas intenções, mas parece estar se perdendo na tentativa de encontrar soluções fáceis para tudo. Lula garantiu que o superávit primário não seria reduzido, e isto está agora em questão.

A adequação do Orçamento da União às necessidades do país é uma questão política, tratada com indecifráveis jargões técnicos para disfarçar beneficiários. Até hoje isso deu certo, a um preço. Este preço sobe exageradamente sem precisar quando o governo concorda em pagá-lo sem reclamar que a mercadoria não é entregue. Um dos problemas está onde sempre esteve, a aliança com o PMDB, que agora quer mais cargos, mesmo sendo um dos responsáveis pela derrota do governo na votação da CPMF.

Independentemente das questões fiscais, há uma séria ameaça nas demandas do partido. O PMDB quer tomar conta de toda a área de energia, de norte a sul. O deputado Jader Barbalho pretenderia indicar alguém para a Eletronorte - o diretor do Detran paraense, Lívio Rodrigues de Paula. O PMDB quer também a secretaria-executiva do Ministério, um oásis técnico, além de, claro, indicar o ministro, e tudo isso diante de um cenário em que não se descarta a escassez de energia. É muito e ainda não é tudo: o partido cobiçaria ("O Estado de S. Paulo", 8 de janeiro) a diretoria internacional da Petrobras e mais gente na diretoria de Furnas, cuja diretoria do fundo de pensão está sendo expurgada sem que fiquem claras e públicas as razões técnicas para isso.

Não há governo sem barganha política, embora os tucanos e os ex-pefelistas pareçam subitamente ter se esquecido disso. A questão real é se os objetivos apontam para interesses da maioria da população ou não. O governo Lula parece perdido nesta questão. A linha divisória traçada inicialmente pelo presidente Lula é boa: mexer o mínimo possível nos programas sociais e um pouco menos no PAC. Mas falta o mais difícil, o corte de gastos, especialmente na máquina pública e nas emendas do Congresso. É nesse ponto que uma oposição conseqüente deveria se fixar e não no nebuloso acordo feito com o governo para que ela não repusesse as perdas da CPMF. Há beicinhos e caras feias no DEM, mas o acerto não era crível. O DEM quer agora impedir o governo de ter receitas para governar, empenhado que está em um acerto de contas inconclusivo com seu passado de adesismo e caciquismo.

O governo deveria fazer uma receita de emagrecimento séria, cortando custos e desperdícios. Gasta-se mais energia negociando com a base aliada do que identificando os enormes buracos por onde escorre o dinheiro público, em todos os Poderes. É importante contemplar emendas de bancada em primeiro lugar, já que elas, em tese, não devem estar tão distantes das abrangentes carências contempladas pelo PAC. A contrapartida do fim da CPMF é a austeridade da máquina pública. Há uma longa lista de medidas que poderiam melhorar a qualidade do gasto público e evitar despesas francamente supérfluas. Debruçar-se sobre elas exige interesse e capacidade gerencial, que estão em falta no governo. A combinação de descoordenação política e falta de apetite administrativo deixa dúvidas sobre a seriedade do ajuste fiscal já realizado.