Título: O Cade e as operações do setor varejista
Autor: Lucinda , Cláudio ; Barrionuevo , Arthur
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2008, Legislação & Tributos, p. E1

A compra de lojas do Carrefour pelo Bompreço demorou seis anos - de 2001 a 2007 - para ser aprovada pelo sistema brasileiro de defesa da concorrência. Anteriormente, entre outras, a aquisição do supermercado Peralta, que atuava na baixada santista, pela Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar), apesar de efetivada em 1999, foi aprovada somente em 2006. O que motivou tal demora, com efeitos tão antieconômicos?

Deve-se sublinhar que a presteza na análise da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e do próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem melhorado constantemente nestes últimos anos. As estatísticas mostram que, em média, as operações tem sido aprovadas em menos de 50 dias, o que é um tempo muito razoável - especialmente para um sistema complicado como o brasileiro, onde três órgãos participam da decisão. É um período que pode ser melhorado, mas já não é um entrave ao bom andamento dos negócios e a novos investimentos.

Todavia, na análise de operações envolvendo supermercados, há uma exceção que projeta uma imagem que não faz jus ao aumento de eficiência e ao bom trabalho realizado pelos três órgãos de defesa da concorrência. Tal distorção, em nossa opinião, tem origem na metodologia de análise dos mercados de varejo, desenvolvida pelo sistema de defesa da concorrência , que apresenta deficiências, sem trazer ganhos para a compreensão dos efeitos concorrenciais destas fusões.

A análise concorrencial, grosso modo, avalia: (1) a definição do mercado afetado pela fusão das empresas; (2) as barreiras à entrada de novos competidores e (3) a rivalidade entre as empresas já atuantes no mercado. A falha no caso em tela, encontra-se no primeiro item, quando o método delimita e classifica as lojas que estão efetivamente competindo entre si.

-------------------------------------------------------------------------------- A metodologia da análise de operações do varejo deve ser revista, pois não avalia os mercados adequadamente --------------------------------------------------------------------------------

O mercado relevante geográfico no varejo, ou seja, o tamanho da área geográfica onde os consumidores são atendidos, em condições similares, por um dado conjunto de lojas, para a Seae, é "delimitado segundo critérios distintos conforme se tratasse de cidades de grande porte ou cidades de pequeno porte; neste sentido, nas cidades de grande porte (isto é, com mais de um milhão de habitantes), os mercados relevantes foram delimitados de acordo com a suposta área de influência de cada loja, estimada a partir de certo estudo realizado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras)."

A análise da Abras, interpretada de maneira restritiva, gerou o problema. Para a Abras, a maioria dos consumidores de um dado supermercado tem sua residência no raio de até 2,5 quilômetros de distância da loja. A partir daí o mercado é definido a partir de circunferências com raio de 2,5 quilômetros traçadas a partir de cada loja envolvida na fusão. Estas circunferências são agregadas por critérios complicados, até mesmo para empresas de georeferenciamento, formando retalhos dentro de uma mesma cidade.

Junte-se a isto o fato de que, para calcular a participação de mercado, ao invés de proxies, como o número de check-outs, são utilizadas informações de faturamento, incompletas em um segmento caracterizado pela informalidade. Estes dois problemas arrastam as análises durante anos, e, ao fim da mesma, o mercado já é totalmente outro.

A tentativa de retalhar cidades em mercados geográficos menores é falha por dois motivos: (1) os consumidores não são como árvores, fixadas a certa distância de um estabelecimento comercial. Eles se movimentam para trabalho, lazer, fazer compras etc. todos os dias; e (2) embora uma loja localizada na Penha não vá competir diretamente com uma da Lapa, cada uma delas compete com aquelas mais próximas de si, de modo que a região metropolitana é uma malha viva de distribuição, onde os preços são formados pelo conjunto de interações entre empresas e consumidores. Não faz sentido retalhar bairros ou pequenas regiões para definir mercado paroquiais. Os consumidores só compram perto de suas casas porque as interações equalizam, relativamente, os preços entre os diferentes estabelecimentos comerciais.

A metodologia desta análise deve ser revista, pois não avalia adequadamente os mercados e, depois de seis anos, qualquer potencial de abuso gerado por uma fusão de supermercados já teria se concretizado, afetando consumidores e concorrentes. De outro lado, as empresas do setor sofrem custos muito elevados com esta demora. Finalmente, ela não reflete o aperfeiçoamento realizado pelo sistema de defesa da concorrência, que tem sua imagem injustamente prejudicada.

Arthur Barrionuevo e Cláudio Lucinda são especialistas em concorrência e regulação e professores de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo

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