Título: Indiana Tata desenvolve carro popular de US$ 2,5 mil
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Fonte: Valor Econômico, 09/01/2008, Empresas, p. B7

Esqueça o estilo elegante, motor potente e quinquilharias eletrônicas no painel. Gurdeep Randhawa está cobiçando um carro despojado que em breve estará disponível na Índia. Este gerente de 39 anos de um moinho nos arredores de Mumbai vai para o trabalho em uma scooter de US$ 1.350 e amontoa a esposa e dois filhos sobre ela para os passeios de fim de semana. Mas em breve poderá substituir esse meio de transporte da família por um automóvel de US$ 2.500 que a Tata Motors planeja colocar no mercado. "Ele tem um preço acessível", diz Randhawa, dando um tapinha em sua carteira.

Não são apenas os proprietários de scooters da Índia que estão ansiosos para ver o que a Tata vai apresentar. Praticamente todas as montadoras do planeta vão estar atentas ao Salão ao Automóvel da Índia, em Nova Delhi, onde a Tata pretende lançar, amanhã, o que está chamando de "carro popular". O setor automobilístico está de olho nos mercados emergentes em busca de crescimento, e muitas companhias estão se apressando para criar modelos que possam ser vendidos bem barato - tanto nos países em desenvolvimento como nos mercados já estabelecidos. A Toyota e a Skoda, subsidiária da Volkswagen , estão planejando carros pequenos para a Índia. A Suzuki diz que em breve vai reduzir o preço de seu modelo mais barato vendido na Índia. E a Renault-Nissan uniu-se à fabricante de motocicleta indiana Bajaj Auto, para lançar um carro de US$ 3.000 no ano que vem. "Se a Tata consegue, nós também conseguimos", diz Carlos Ghosn, presidente do conselho de administração da Renault-Nissan.

Será que conseguem mesmo? Muitos executivos do setor afirmam ser quase impossível fabricar um carro pelo preço que a Tata está alardeando. Os custos com mão-de-obra e engenharia das montadoras estabelecidas são muito maiores, e poucas estão interessadas em um carro que vai gerar as margens pequenas que a Tata provavelmente conseguirá. Além disso, as autoridades reguladoras dos mercados desenvolvidos não deixariam um carro tão despojado circular nas ruas, e os consumidores provavelmente não iriam querer comprá-lo. Para ser bem sucedido "ele terá que ser mais atraente que um carro usado que pode ser vendido pelo mesmo preço", afirma Nick Reilly, presidente da General Motors para a Ásia.

A Tata não divulgou detalhes sobre o "Carro Popular" antes do Salão do Automóvel de Nova Delhi. Mas fontes da companhia e do setor afirmam que a Tata vem mantendo os custos baixos com base em equipamentos espartanos como um painel que apresenta pouco mais que um velocímetro, medidor de combustível e luz de óleo. O carro não terá itens básicos como assentos com encostos reclináveis, rádio e direção hidráulica. Contará com motor de 650 cc que proporcionará no máximo 70 HP - mais ou menos o que o Yugo tinha quando foi lançado, em 1986 -, mas conseguirá fazer entre 80 e 100 km por galão de gasolina. O percurso, no entanto, poderá ser um pouco duro. A Tata vai usar amortecedores básicos na frente, mas o projeto da suspensão traseira data de décadas.

A verdadeira vantagem da Tata poderá ser no desenvolvimento dos custos. A Índia possui excelentes engenheiros, mas eles recebem cerca de um terço do salário de seus colegas de Detroit, segundo a General Motors (GM), que possui um centro técnico em Bangalore. Projetar um modelo de grande vendagem custa cerca de US$ 350 milhões no Ocidente, mas pode ser feito por cerca de 20% disso na Índia, estima a consultoria AlixPartners de Detroit. Isso significa economia de US$ 300 a US$ 1.000 por veículo. E os operários ganham US$ 1,20 por hora em Mumbai, menos que os trabalhadores chineses. A Tata "estabelecerá um referencial" para o setor, diz Stefano Aversa, co-presidente da Alix.

A Tata também vai economizar com uma estratégia de distribuição inovadora. A companhia pretende fornecer kits para os revendedores que farão a montagem final. Embora outras montadoras se utilizem dos kits em mercados emergentes, a montagem é sempre feita em grandes fábrica centralizadas que despejam nas ruas milhares de carros por mês. A Tata, por outro lado, pretende montar os modelos em pequenas oficinas. Isso poupará dinheiro, uma vez que a distribuição e as vendas no varejo respondem por 20% do preço de venda sugerido de um automóvel nos Estados Unidos. É uma estratégia que as grandes montadoras com operações menos amplas na Índia teriam dificuldade para adotar, mas ela pode resultar em graves problemas de qualidade, já que haverá supervisão bem menor na fabricação.

O maior obstáculo à venda de um carro desse tipo no Ocidente seria sua tecnologia. A Tata economizará cerca de US$ 900 por carro eliminando equipamentos que os EUA, Europa e Japão exigem para controle da emissão de poluentes, afirma James N. Hall, presidente da consultoria 2953 Analytics. E a Tata abdicará de itens como freios que impedem o travamento das rodas, air bags, e estruturas de suporte, que protegem os passageiros em acidente. "É mais seguro que colocar quatro pessoas em uma scooter, mas nada além disso", afirma Sandy Munro, presidente da consultoria Munro & Associates, que aconselhou a Tata no projeto.

Mesmo que o lançamento da Tata não beneficie a companhia nos EUA, ainda assim vai pressionar as maiores montadoras do mundo. A Tata pretende se concentrar inicialmente na Índia e depois outros mercados em desenvolvimento, onde poderá afetar os planos de expansão dos líderes do setor. Depois, segundo a Alix Partners, a Tata poderá criar um carro que atenda as especificações dos americano e europeus, e vendê-lo por US$ 6.000 - pechincha em qualquer um desses mercados. A Tata não tem planos imediatos de fazer isso, mas com o ambicioso presidente do conselho de administração, Ratan Tata, perto de comprar a Jaguar e Land Rover, e levar sua marca para outros países, não se surpreenda se encontrar em breve algo inspirado no "carro popular" em seu país.