Título: Privatização foi fatal para empresário
Autor: Felício, César ; Moreira, Ivana
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2008, Política, p. A10

Silvia Costanti / Valor Lacerda: militante da ALN nos anos 70, empresário de sucesso nos anos 80 e 90 e tesoureiro da campanha de Ciro Gomes à Presidência da República em 2002 O administrador de empresas Márcio Araújo de Lacerda já deu diversas demonstrações de versatilidade ao longo de sua carreira pública e empresarial. Militante do PCB que ingressou na Ação Libertadora Nacional em 1969, Lacerda ficou preso por quatro anos. Ao sair da cadeia, conseguiu aproximar-se de setores moderados do regime militar e montar a Construtel, uma prestadora de serviços para o sistema Telebrás, na instalação de rede física, em 1975. Sua trajetória como empresário declinou à medida em que sua carreira política começava a engatar.

A Construtel expandiu-se nos anos 80 e ganhou escala internacional em 1992, quando Lacerda vendeu 51% do capital para a italiana FIRT, permanecendo com o restante do capital. O consórcio FIRT/Construtel passou então a atuar também no Chile e na Bolívia, com a instalação de cabos de fibra óptica.

Em 1994, Lacerda colaborou com o equivalente a US$ 250 mil para a campanha de Fernando Henrique Cardoso à Presidência. Pretendia convencer as autoridades do novo governo a proteger os prestadores de serviço e fornecedores do sistema Telebrás da ação de importadores, mas nunca conseguiu se aproximar do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta. A privatização da telefonia, em 1998, foi fatal para seu empreendimento. As novas empresas, uma a uma, foram cancelando os contratos de prestação de serviço.

O faturamento da Construtel desceu do equivalente a US$ 255 milhões em 1998, ano de virtual paridade cambial, para US$ 128 milhões, ou R$ 240 milhões, em 2000. Neste meio tempo, Lacerda decidiu desfazer-se de uma indústria fabricante de comutadores, a Batick, vendida para a Lucent. No ano seguinte, o faturamento da Construtel recuou para R$ 193 milhões e Lacerda perdeu o sócio: a FIRT foi vendida na Itália e o novo dono decidiu encerrar os investimentos na América do Sul. Lacerda voltou a ter o controle acionário, mas ficou sem condições de investir.

Em 2002, o empresário tornou-se tesoureiro oficial da campanha de Ciro Gomes à Presidência. Cuidou da arrecadação da campanha. O tesoureiro do partido, Emerson Palmieri, cuidava da parte de gastos e integravam o comitê financeiro o falecido presidente petebista José Carlos Martinez, o então deputado federal Walfrido dos Mares Guia (PTB) e o irmão de Ciro, Lúcio Gomes.

Neste função, Lacerda remontou a sua rede de contatos políticos. Atuou para tentar aproximar, já nesta época, o candidato presidencial do à época deputado Aécio Neves (PSDB), que tentava pela primeira vez o governo mineiro. Enquanto isso, a Construtel sangrava: faturou apenas R$ 79 milhões neste ano.

Em 2003, Ciro assumiu o Ministério da Integração Nacional e convidou Lacerda para assumir a secretaria executiva da Pasta. A Construtel agonizou naquele ano, caindo para um faturamento de R$ 29 milhões, e entrou em coma no ano seguinte, com R$ 2,4 milhões recebidos. Seus 2,8 mil funcionários há cinco anos foram cortados para apenas sete. Hoje, a Construtel é uma empresa inativa, mantida em função de pendências judiciais em curso.

Lacerda saiu do governo federal abatido durante o escândalo do mensalão. O empresário apareceu em uma relação como beneficiário de um depósito de R$ 457 mil do publicitário Marcos Valério, que teriam sido usados para o pagamento da dívida da campanha presidencial de Ciro com a agência New Trade. Lacerda demitiu-se da secretaria-executiva do ministério divulgando uma carta pública em que isentou Ciro de qualquer responsabilidade no episódio.

Com a quebra do sigilo bancário da SMP&B, principal empresa de Valério, não foi encontrado qualquer depósito para Lacerda, mas transferências para a agência New Trade. O assessor de Ciro teria sido apenas um contato O empresário terminou inocentado pelo Ministério Público e pela CPI que investigou o tema no Congresso. Convidado para retornar ao ministério pelo sucessor de Ciro, Pedro Brito, em abril de 2006, Lacerda recusou.

No início do ano passado, quando assumiu a Secretaria Estadual de Desenvolvimento substituindo o ex-presidente da Vale do Rio Doce Wilson Brumer, Lacerda foi apresentado por Aécio como um homem ligado à iniciativa privada, que daria continuidade à política tucana de aproximação do Estado com o empresariado. Numa entrevista recente, Lacerda chegou a dizer que não tinha relações com Aécio e que fora indicado para o cargo de secretário estadual pelo presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Robson Andrade.

Lacerda, porém, sempre foi visto pelos próprios empresários mais como um político do que um empreendedor. As lideranças da indústria mineira não batem à sua porta com suas demandas. Vão direto ao governador. "O Lacerda é um guerrilheiro", brinca um deles, numa referência à militância política do secretário. (CF e IM)