Título: Lula manterá ação política em 2008
Autor: Costa , Raymundo ; Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2008, Política, p. A8

Entre a maior derrota do governo no Congresso Nacional e as eleições de outubro, pouco ou quase nada deve mudar na ação política do governo Lula em 2008. O presidente quer passar "ao largo das eleições", na expressão de um auxiliar próximo, e as relações com deputados e senadores devem seguir a rotina de quem julga ter a maioria suficiente para levar o governo a um porto seguro, em 2010.

A vitória da oposição na votação da CPMF é vista com estudada condescendência entre os auxiliares próximos do presidente. "A oposição carimbou a faixa do Corinthians", diz um deles. Lula é torcedor fanático do Corinthians, clube que, a exemplo do governo, passou por uma grande decepção no fim de 2007, com o rebaixamento para a segunda divisão do campeonato nacional.

Lula retirou do episódio a lição óbvia: apesar de contar com uma base de apoio nominal de 53 senadores, o governo não tem nem os 45 votos dados à aprovação do imposto do cheque, na sessão de 12 de dezembro. Basta lembrar que entre os votos favoráveis à CPMF estavam oposicionistas históricos, como Pedro Simon (PMDB-RS), e aliados que não são incondicionais, como é o caso dos senadores pedetistas Cristovam Buarque (DF) e Jefferson Péres (AM).

Isso não quer dizer que o presidente tenha abdicado, de uma vez por todas, de propor emendas constitucionais ao Congresso - são textos cuja aprovação requer maioria de 49 votos (três quintos dos senadores). Propostas passíveis de negociação com a oposição podem ser levadas ao Congresso, como a reforma tributária. É o típico caso de assunto que envolve o interesse de todos, governo e oposição, Estados e municípios. No que se refere ao resto - projetos de lei, medidas provisórias - o Planalto considera que tem a maioria necessária para governar.

O núcleo dirigente palaciano considera "absolutamente" normal que em algum momento, mais adiante, seja retomado o diálogo com a oposição, apesar do fracasso das conversas em torno da votação da CPMF, que só desandaram no último minuto (um acordo chegou a ser fechado antes de os tucanos reconsiderarem sua decisão). A leitura feita no Palácio é que há forças muito vigorosas no PSDB dispostas a colaborar efetivamente com o governo, mas essa é uma decisão ainda não suficientemente amadurecida entre os tucanos.

O grupo mais contrário - que jogou contra o acordo da CPMF - seria ainda refém do "discurso xiita" adotado nas eleições presidenciais de 2006. Esse grupo estaria na órbita do ex-governador Geraldo Alckmin. Lula e seus auxiliares acreditam, no entanto, que se trata de uma questão de tempo. O Planalto trabalha com números do segundo turno da eleição de 2006.

A conta feita é que Lula teve 61% dos votos naquele pleito, sendo que em alguns Estados rompeu a barreira dos 80%. Logo, seria aritmética a necessidade de os principais pré-candidatos tucanos a presidente, os governadores José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais), estabelecerem um canal de diálogo com uma boa parte do eleitorado de Lula, se quiserem vencer a eleição. Isso explica, na opinião de um auxiliar do presidente, a postura "positiva" de Serra e Aécio na votação da CPMF.

O retrospecto tucano é pendular. O PSDB ajudou o governo em algumas votações, mas também foi oposição como era o PT em situações críticas. Dois exemplos: a eleição para a presidência da Câmara em 2005, quando deixou à míngua um candidato com bom trânsito no partido, o petista Luiz Eduardo Greenhalgh, e no fim ajudou a eleger o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). O outro foi a votação da CPMF.

Na avaliação do Planalto, setores do PSDB estão cometendo o mesmo erro que o PT perpetrou em 1994. Na ocasião, os petistas não perceberam a importância da estabilização econômica promovida pelo Plano Real, fato que assegurou a vitória de Fernando Henrique Cardoso sobre Lula na eleição daquele ano. Hoje, os tucanos não vêem que o sucesso de Lula está fundado justamente na estabilização, uma vez que tanto o Bolsa Família quanto o salário mínimo - que o atual governo praticamente dobrou - dependem de inflação baixa para funcionarem efetivamente.

A eleição municipal para Lula começa no segundo turno. Cada vez mais fica evidente que não será possível reunir os partidos aliados em candidaturas únicas, desejo manifestado pelo próprio Lula. A menos que algum candidato aliado saia com o apoio dos partidos da coalizão. O presidente vai tirar fotografias com os concorrentes, pode até posar com dois aliados candidatos em uma mesma cidade, mas quer passar ao largo dos palanques de 2006. "Lula só subirá em palanque em último caso, numa situação difícil", contou um ministro.