Título: Índices apontam pressão inflacionária no horizonte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2008, Opinião, p. A10

A inflação medida pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas atingiu seu maior nível desde 2004. Fechou o ano passado em 7,89%, arrastada especialmente pela enorme variação dos produtos agrícolas no atacado, de 24,82%. Há uma pressão inflacionária no horizonte, na qual não é fácil distinguir os efeitos da alta de preços "importada", via commodities, e a que pode ser atribuída mais aos efeitos da aquecida demanda interna. Para a aceleração atual, os dois fatores estão atuando em conjunto. As projeções do mercado para a evolução do IPCA em 2008 estão em alta, mas ainda no centro da meta de inflação, de 4,5%, o que não deve provocar uma elevação dos juros, embora torne especialmente difícil sua redução no curto prazo.

A elevação dos preços da dupla alimentos e energia tem provocado estragos nos índices de inflação em toda parte, independentemente da coerência da política econômica dos países afetados. A variação dos preços atingiu 22,5% na Venezuela do populista Hugo Chávez, 11,5% na conturbada Bolívia de Evo Morales e 7,8% no Chile da ortodoxa Michelle Bachelet.

Por vários motivos, essa pressão dos preços internacionais é mitigada no Brasil e pode não representar graves problemas para a política monetária, se não for acompanhada por um relance altista também dos preços dos serviços e demais bens não comercializáveis. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de commodities agrícolas e um importador pouco expressivo. O dilema entre produção voltada para energia (biocombustíveis) e para alimentos não existe no país, enquanto que forçou forte alta de preços nos EUA, que embarcaram no programa de etanol baseado no milho. Na energia derivada de combustíveis fósseis, o Brasil é praticamente auto-suficiente, o que deu mais estabilidade à política de preços.

De toda forma, a incrível demanda chinesa e de outros países emergentes puxou as cotações da cadeia de proteína animal, que ainda teve um empurrão das altas das matérias-primas para rações, especialmente milho, e afetou o complexo carnes brasileiro. O índice de preços recebidos pelos agricultores paulistas, por exemplo, aponta uma variação positiva de 43,3% para o grupo de produtos de origem animal em 2007. Para isso também contribuiu uma alta expressiva dos insumos utilizados no plantio, especialmente dos fertilizantes. A escalada dos alimentos começou a perder fôlego, como informou o Valor (9 de janeiro).

O índice de inflação no atacado (IPA), de 9,44%, foi mais que o dobro do índice ao consumidor (IPC), de 4,6%, reproduzindo a mesma proporção entre ambos dos últimos sete anos (133,8% e 66,7% respectivamente). A questão é saber se aumentou o espaço para que parte da diferença seja repassada aos preços no varejo. Há algumas evidências disso. O preço dos serviços nos 12 meses encerrados em novembro (4,89%) e dos não comercializáveis (5,88%) está correndo à frente do índice geral, o IPCA, de 4,19%. E, com a elevação dos IGP e IGP-M, que indexam parcialmente o reajuste de preços administrados, haverá um carregamento maior da inflação passada para a de 2008. Entretanto, caso os produtos agrícolas percam o ímpeto altista - o que é seguro pelo menos no início da safra, no primeiro trimestre - eles poderão compensar o impacto nos administrados.

Até novembro (o IPCA de dezembro sai amanhã), os núcleos de inflação calculados pelo Banco Central e constantes da ata do Copom, em 12 meses, não mostravam aceleração digna de nota e se situavam no intervalo de 3,86% a 4,02%. Dezembro pode ser diferente. O departamento de macroeconomia do Unibanco estima um salto no núcleo que, anualizado, chegaria a 9,5%. O consumo das famílias cresceu a velocidade superior a 6% anuais até o terceiro trimestre, o que indica que há espaço para mais reajuste de preços em setores não competitivos.

IGP e IGP-M sempre refletiram imediatamente o impacto direto do câmbio nos preços. Desta vez, os índices subiram com o real em alta. Isto significa que a pior coisa que pode acontecer para a política monetária agora será uma valorização significativa ou abrupta do dólar. As chances disso ocorrer são pequenas, embora existam, alimentadas pelas turbulências no mercado externo a partir da crise das hipotecas nos EUA.