Título: Avanço de cana sobre grãos perde força
Autor: Scaramuzzo , Mônica ; Rocha , Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2008, Agronegócios, p. B12

O forte avanço da cana-de-açúcar sobre as áreas de grãos visto nos quatro cantos do país nos últimos dois anos perde força. A recuperação dos preços da soja e do milho nos mercados internacional e doméstico ao mesmo tempo em que as cotações do açúcar e do álcool patinam mudou a relação de rentabilidade entre essas culturas e fez os grãos voltarem a ficar atrativos para os produtores.

Levantamento da consultoria AgraFNP, feito com exclusividade para o Valor, mostra que as rentabilidades do milho e da soja estão hoje em patamares muito superiores à da cana, que nesta atual safra está negativa no centro-sul do país. A rentabilidade do milho supera a da soja convencional em importantes praças produtoras, como Goiás, Minas Gerais e Paraná. Já a da cana-de-açúcar (considerando uma média de cinco cortes), em contrapartida, está negativa .

Em Goiás, que se tornou uma nova fronteira para a produção de etanol, gerando resistência de prefeituras ao avanço da cana, os custos de produção do milho por hectare estão em R$ 1.464,80, com uma rentabilidade de R$ 315,20. O custo para produzir cana está em R$ 3.240,60 por hectare, com prejuízo de R$ 536,20.

No sudoeste do Estado, a resistência ao avanço da cana levou o município de Rio Verde a criar uma lei restringindo o plantio da matéria-prima em seu território. Outras prefeituras discutem tomar a mesma decisão, entre elas, Jataí, Montevidiu, Mineiros, Iporá, considerados redutos de grupos importantes como Cosan e Brenco, que anunciaram projetos gigantes nessas regiões. No mesmo Estado, o custo de produção da soja convencional está em R$ 1.163,82, com uma rentabilidade de R$ 310,85.

Muitas integrações produtoras de aves e suínos já demonstraram preocupação com a possível falta de grãos por conta da febre do etanol no Centro-Oeste. Mas se depender da atual curva de preços dos grãos, essa ameaça está descartada. Em recente encontro com jornalistas, Nildemar Secches, presidente da Perdigão, empresa que tem indústrias em Rio Verde, Jataí e Mineiros, no Estado de Goiás, demonstrou alívio com o novo quadro e comentou que os preços dos grãos voltaram a estimular os agricultores.

"Os produtores de grãos não estão mais desesperados pensando em arrendar suas terras para cana. Hoje, na ponta do lápis, a rentabilidade indica que eles devem se manter nos grãos", afirma Fabio Renato Turquino de Barros, gerente de agroenergia da AgraFNP.

A Secretaria de Agricultura de Goiás confirma que, por conta da recuperação dos preços dos grãos, o interesse dos produtores em arrendar áreas para plantio de cana-de-açúcar diminuiu.

Adriano Vendeth, da consultoria SoloBrazil, de Goiânia, concorda que o ritmo de avanço da cana no Estado desacelerou, mas pondera que há alguns produtores de grãos que, endividados, ainda preferem arrendar suas terras porque não têm capital de giro para plantar. Ele acrescenta que a pecuária ainda perde áreas para a cana em Goiás.

No Mato Grosso do Sul, outro Estado considerado uma nova rota de investimentos para o etanol, a cana também está em desvantagem em relação aos grãos em termos de rentabilidade. Conforme o levantamento da AgraFNP, o custo de produção da soja no Estado hoje é de R$ 1.039,83 por hectare, com rentabilidade de R$ 413,67. Já a cana-de-açúcar tem custo de produção de R$ 3.240,60 por hectare, para uma rentabilidade negativa de R$ 536,20.

O boom do etanol nos mercados interno e externo, fez o governo do Mato Grosso do Sul estimular o plantio de cana no Estado, sobretudo em áreas de pastagens. Não há leis no Mato Grosso do Sul restringindo a expansão da cana, mas em Dourados, pólo produtor de grãos, há delimitações para cada cultura, segundo a Secretaria de Agricultura do Estado.

A recuperação dos preços de milho e soja - devido à crescente demanda por grãos para a produção de alimentos e biocombustíveis - também mudou o cenário no Paraná, onde a cana vinha avançando no noroeste do Estado. Nessa região, onde predominam áreas de arenito, pastagens e soja deram lugar à cana nas duas últimas safras, de acordo com Flávio Turra, da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar). "Entre 2004 e 2006, com a queda dos preços da soja, os produtores dessa região migraram para a cana. Agora, a situação mudou, e os grãos não devem mais perder área para a cana", afirma. A expectativa, diz, é que esse quadro permaneça pelo menos até a próxima safra.

José Adriano Dias, diretor-superintendente da Alcopar (Associação dos Produtores de Açúcar e Álcool do Paraná), não acredita em uma debandada dos fornecedores de cana para outras culturas, uma vez que a perspectiva é de uma melhora no cenário para açúcar e álcool. "O problema dos preços do açúcar é pontual. A crise é cíclica, mas os fornecedores pensam mais a longo prazo".

Turra, da Ocepar, observa que apesar da queda dos preços do álcool e açúcar - e consequente recuo no valor dos arrendamentos - o produtor que alugou sua área para plantio de cana pelas destilarias não está sendo prejudicado. "As duas atividades são boas".

Os dados da AgraFNP confirmam que ainda há vantagens em arrendar área para a cana. "O arrendador não assume os riscos da cultura, como os produtores de grãos e fornecedores de cana", afirma Barros. Segundo o levantamento da AgraFNP, o arrendamento para cana em Goiás sai a R$ 368,40 por hectare. Já quem arrenda área para plantar soja convencional e milho recebe R$ 301 por hectare. Na região de Maracaju e Rio Brilhante, áreas que cresceram em cana no Mato Grosso do Sul, o arrendamento sai a R$ 324,17, enquanto para os grãos, a R$ 266,50. Em Dourados, recebe mais quem arrenda área para grãos: R$ 330,40 por hectare. Para plantar cana, o arrendamento sai por R$ 250,50. "Em 2006, a cana estava pagando mais porque os preços estavam mais atraentes", diz Barros.