Título: Cobrança de ICMS em venda de veículos por leasing gera disputa entre
Autor: Watanabe , Marta ; Olmos , Marli
Fonte: Valor Econômico, 11/01/1200, Brasil, p. A2

Uma disputa entre São Paulo e outros Estados pela arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deu origem a uma fiscalização contra as montadoras. Goiás, Paraíba e Rio Grande do Norte estão entre os Estados que querem que os fabricantes de veículos paguem nos locais de destino o ICMS sobre a venda direta de automóveis via leasing. Hoje esse imposto é recolhido predominantemente em São Paulo, onde se concentram as sedes das financeiras, mesmo quando o consumidor final do veículo está em outro Estado.

O setor automotivo teme que outros Estados adotem o mesmo procedimento. Caso isso aconteça, a cobrança de ICMS pode chegar a R$ 1,2 bilhão. O cálculo das montadoras leva em consideração a cobrança generalizada pelos Estados do que foi vendido nos últimos cinco anos.

Segundo fontes próximas às negociações, representantes de montadoras já marcaram uma reunião no início da próxima semana com o governo paulista para tentar uma solução. Caso São Paulo não desista da arrecadação do imposto, o setor deverá buscar um desfecho junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne as Fazendas de todos os Estados.

A disputa está centrada na interpretação do Convênio Confaz nº 51, assinado em setembro de 2000. Esse acordo surgiu para definir uma nova divisão da arrecadação do ICMS sobre as vendas diretas, que começaram a crescer com o avanço do comércio pela internet. Até então o ICMS ficava todo no Estado de origem.

O convênio determinou a divisão da arrecadação entre o Estado produtor e o do domicílio do comprador do veículo. No caso das vendas do Sul e Sudeste para Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a alíquota de 12% de ICMS, relativa às operações interestaduais, ficou partilhada da seguinte forma: uma média de 5% para os Estados produtores e 7% para os compradores, dependendo da cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

O conflito está nas vendas por leasing, operação em que a propriedade do automóvel permanece com a financeira até o pagamento final do contrato. Esta modalidade tem crescido e tende a se expandir ainda mais depois que o governo federal decidiu aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito. O leasing é isento desse imposto. A disputa entre os Estados, porém, se restringe ao leasing aplicado às vendas diretas do fabricantes. Não estão incluídas as operações de arrendamento contratadas nas concessionárias.

Procurada, a Secretaria da Fazenda de São Paulo defendeu, em nota ao jornal, que a repartição de receitas previstas no convênio não se aplica às vendas diretas via leasing. Os demais Estados, porém, não concordam com a interpretação de São Paulo. Alguns Estados reivindicam a sua parte.

As "cegonhas" , caminhões que transportam os carros, já começam a ser fiscalizadas nas divisas dos Estados que se sentem prejudicados. Segundo o diretor administrativo e financeiro da Fiat para a América Latina, José Silva Tavares, a empresa chegou a recolher para a Paraíba o imposto já pago a São Paulo. O ICMS foi recolhido, porque os fiscais da Paraíba bloquearam a entrada das carretas. Além disso, a fazenda paraibana autuou a Fiat em R$ 10 milhões relativos ao imposto devido no passado.

O executivo considera inviável uma solução pelo Judiciário. Os tribunais responsáveis para julgar o ICMS são estaduais, o que torna suas decisões efetivas somente dentro do seu próprio território. E os tribunais superiores não podem ser acionadas para esse tipo de assunto. "Não estamos protegidos pela lei e corremos o risco de pagar sempre o imposto para dois Estados", afirma Tavares.

O secretário da Receita da Paraíba, Milton Soares, diz que o Estado ainda não tem um programa de fiscalização específico para as montadoras. Mas admite que houve bloqueio de carretas de montadoras na entrada ao território paraibano. "Trata-se de uma fiscalização comum, do dia-a-dia." O secretário, porém, diz que o Estado entende que o ICMS deve ser dividido com o local de destino e a cobrança das montadoras deve se estender aos últimos cinco anos.

Segundo Soares, o assunto não chegou a entrar na pauta oficial de discussão do Confaz, mas tem estado em "conversas paralelas" nas últimas reuniões. Diz que o tema não chegou a ser debatido diretamente com a Fazenda paulista. "É um tema delicado que entrará com certeza na próxima reunião, em março. Se nenhum outro Estado levar proposta, a Paraíba o fará."

"Não há lógica nenhuma em ficar para São Paulo o ICMS de um veículo que vem para o Rio Grande do Norte poluir o nosso ambiente, estragar as nossas estradas e causar acidentes aqui", diz Américo Nobre de Mariz Maia, coordenador de tributação e assessoria técnica da Secretaria de Tributação do Rio Grande do Norte. Segundo ele, o Rio Grande do Norte ainda não autuou nenhuma montadora, mas está se preparando para começar a fiscalizar o assunto. O departamento de comunicação da Fazenda de Goiás também confirma que o Estado irá reivindicar seu ICMS.

Segundo a indústria, as autuações começaram em setembro. Coincidentemente, um mês antes, foi extinta, sem julgamento de mérito, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) na qual Minas Gerais questionou o convênio Confaz nº 51. Na ação, o governo mineiro defendeu que todo o ICMS deveria ficar no Estado de origem. O Supremo Tribunal Federal entendeu que Minas não poderia contestar o convênio, porque não foi um de seus signatários.

A disputa promete se acirrar num momento em que o leasing ganha espaço no crescente mercado automotivo. A modalidade é muito usada pelos frotistas e locadoras de veículos, principais clientes da venda direta das montadoras. O leasing já representa 26% do comércio de automóveis novos do país. Cálculos da indústria indicam que a disputa do ICMS envolve 6,5% do mercado brasileiro, percentual que representou 150 mil veículos em 2007.

A dificuldade em resolver a questão dos Estados no Judiciário leva a indústria a buscar uma solução política. Na reunião da próxima semana, os representantes do setor automotivo esperam convencer o governo paulista a aceitar uma proposta dos demais Estados. Em caso de resistência, as montadoras se preparam para levar ao Confaz uma determinação que os proteja de pagar imposto duas vezes.

Para Américo Maia, da Fazenda do Rio Grande do Norte, é quase certo que o tema fará parte da pauta oficial da próxima reunião do Conselho. "Isso deverá ser discutido pelos grupos técnicos entre 17 e 19 de março."