Título: PSDB vai rejeitar corte seletivo de emendas
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2008, Política, p. A6

Guerra: "As emendas de bancada foram sendo privatizadas. Cada parlamentar ou conjunto de dois ou três é dono de uma" A disposição do governo de realizar corte seletivo - e não linear - nas emendas parlamentares coletivas do Orçamento da União vai azedar ainda mais a relação do Palácio do Planalto com a oposição. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou que seu partido não aceitará esse critério, porque o exame caso a caso permitirá mais "manipulação" do Orçamento para atender à base aliada. Ele define o processo de elaboração do Orçamento de "espúrio, não republicano e não transparente".

Guerra desafia o governo a aproveitar o momento para "detonar a caixa preta do Orçamento". Qualquer solução, segundo ele, teria de passar pela extinção da Comissão Mista de Orçamento, que controla o processo todo. "Por que o governo não nos convoca para reabrir a questão do Orçamento de forma radical?", pergunta. Para o tucano, isso criaria outro ambiente na relação do governo com a oposição e o Congresso.

"Se não detonar essa caixa preta do Orçamento, a relação do Congresso com o Executivo, e do governo com sua base, estará sempre viciada. Não vai ser republicana nunca. O mecanismo de elaboração do Orçamento está no conteúdo de todas as crises que se abateram sobre o Congresso nos últimos anos."

De acordo com ele, o Orçamento é o "coração" da coligação dos partidos da base, formada a partir da lógica do "toma lá dá cá". "E as veias de irrigação são as emendas. Por elas é irrigada essa coligação da crise, que não dá estabilidade ao governo e produz crise no Congresso o tempo todo", disse.

Um dos parlamentares mais preocupados com a questão orçamentária, o tucano considera que a avaliação seletiva das emendas seria a forma ideal de corte, desde que haja de fato prioridades de investimento. Ele não acredita que isso ocorrerá, já que as emendas coletivas estão "privatizadas" entre os parlamentares. Está seguro de que o corte será negociado com os grupos políticos - vencerá a pressão e não a prioridade. O PSDB propõe corte linear de 60% das emendas coletivas.

"Não dá para a gente concordar com isso (corte discriminatório), porque o mecanismo é viciado. Ninguém entra no mérito do projeto. Entra é no direito, entre aspas, dos parlamentares. A gente tem que conceder o corte horizontal para que não haja mais manipulação", afirmou Guerra. Segundo ele, a prática está de tal forma difundida, que todo mundo tem seu quinhão.

"Tem um grupo menor que tem muito mais do que os outros. Mas, de alguma maneira, isso foi democratizado. Todo mundo tem um pedaço do dinheiro público. Poucos se excluem disso. Eu mesmo tenho o meu pedaço. Só que o governo não usa a emenda do Sérgio Guerra pra negociar comigo. Mas usa pra negociar com a base dele. Está tudo errado, não é pra ser assim", diz o tucano.

Guerra foi relator da Comissão de Reforma do Sistema do Orçamento no Congresso Nacional, que funcionou em 1995, depois do escândalo dos "anões do Orçamento". O tucano foi autor da resolução que criou as emendas coletivas de comissão e as de bancadas (estaduais e regionais). Segundo ele, a intenção era evitar a dispersão dos investimentos dos recursos públicos e tentar direcioná-los para as prioridades dos Estados e regiões.

"Essa era a reflexão: como era necessário quórum de três quartos das bancadas para aprovar uma emenda, acreditava-se que haveria definição de prioridades, para que os recursos federais não fossem espalhados. Mas, com o passar do tempo, as emendas de bancada foram sendo privatizadas. Cada parlamentar ou conjunto de dois ou três é dono de uma emenda de bancada. Alguns Estados reagiram, mas no final ficou todo mundo assim. Esse caráter se disseminou."

Guerra se diz favorável à preservação das emendas individuais, cujos recursos são voltados para obras em municípios. Embora admita que possa haver algum desvirtuamento, considera que o parlamentar está defendendo a transferência de recursos para sua base está contribuindo de maneira objetiva com a população que o elegeu.

Na questão orçamentária, Guerra aponta outro vício: o contingenciamento de recursos pelo governo. Como o Orçamento não é impositivo, o governo decide o que vai pagar. "Vem uma segunda negociação entre governo e parlamentares. E as relações com o Congresso ficam mais deterioradas. Começa a troca: eu pago suas emendas se você votar comigo. Eu te apóio em troca daquilo."

O senador diz que o Orçamento é uma peça de ficção "porque é pra enganar". Não é para ser transparente ou ser cumprido de fato. "É pra valer para os amigos e não valer para os adversários", afirma. Pelo conjunto de problemas, Guerra não vê solução para a questão orçamentária sem a extinção da comissão mista. Na sua opinião, ela tem que ser transformada em comissão de sistematização. Os investimentos seriam definidos pelas comissões técnicas de cada área.

"Tem que enfrentar um grupo que domina essa história e que hoje é muito grande. E atacar certos vícios que se disseminaram aqui. a idéia de que o Orçamento é questão das pessoas, propriedade delas. Quando não é. Todo mundo se julga dono de um pedaço. Não tem que ter pedaço de ninguém. Tem que ter prioridade", afirma.

Para o presidente do PSDB, um corte de 60% nas emendas coletivas, aliado ao aumento de arrecadação, seria suficiente para o governo compensar o fim da CPMF. O aumento de arrecadação, na sua avaliação, ficará bem acima de R$ 10 bilhões, porque o Congresso já aumentou em R$ 30 bilhões e outra reestimativa de receita está para ser feita.

Guerra diz que a abertura da caixa preta do Orçamento iria expor uma crise muito maior do que a que deu origem á CPI dos Anões do Orçamento. "Os desequilíbrios são muito maiores. Excessos e mais excessos. Não estou falando de corrupção, porque corrupção a gente só fala quando pode provar. Estou falando de descaso com o interesse público, falta de prioridade, falta de política, desordem, manipulação de voto. Isso eu falo, porque tenho certeza."