Título: Previsões e ilusões em 2008
Autor: Troster , Roberto Luis
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2008, Opinião, p. A8

Fazer previsões sobre um ano que começa se parece a abrir um livro, analisam-se os sinais para antecipar seu conteúdo. Para 2008, eles são bons, o otimismo se justifica. Mas há também ilusões.

O ano de 2007 foi o melhor em décadas: o país registrou altas do consumo e do investimento e queda dos juros e da exclusão. A elevação dos preços das commodities no exterior, nos últimos anos, impulsionou as nossas exportações, que combinada com a abundante liquidez nos mercados financeiros internacionais atraiu um fluxo de dólares que valorizou o real, arrefeceu a inflação, aumentou as reservas internacionais, possibilitou uma queda nos juros, praticamente eliminou a dívida externa, e, dessa forma, acelerou a economia. Vários recordes de vendas e produção foram superados.

A taxa de crescimento do Brasil no ano passado, próxima aos 5% surpreendeu positivamente a todos, foi o dobro da taxa das últimas décadas, e com isso, uma onda de otimismo se propagou pelo país. Deve ser celebrado. Entretanto, é importante não perder a perspectiva. No mesmo período, a América Latina cresceu 5,6%, a África 5,8%, os países da ex-União Soviética 8,1%, a Índia 8,5% e a China 11,4%. Estamos avançando mais rápido que no passado, mas a distância com os demais continua a aumentar.

Em todo caso, a boa estrela do Brasil continuará a brilhar em 2008. Nunca os termos de troca estiveram tão favoráveis e deverão manter aquecida a demanda por exportações brasileiras. Mesmo com alguma perda de fôlego e ajustes, o mundo continuará a demandar matérias-primas, alimentos e biocombustíveis, por mais algum tempo. Há potencial interno para expandir a oferta e atender a essa demanda externa.

2008 será um ano de crescimento, estabilidade de preços e juros baixos. Há fatos positivos como a eliminação da CPMF, aumentando de renda disponível e diminuindo custos nas empresas e a possibilidade da obtenção do investment grade; empurrando as variáveis econômicas na direção certa. Há também fatos negativos, como uma pressão inflacionária mais forte e uma dificuldade maior em manter o superávit primário que pressionam no sentido oposto.

Nenhum deles deve alterar de forma expressiva as previsões econômicas, como também eventuais erros da política econômica de curto prazo em 2008, como juros desalinhados ou um déficit aquém do ideal, uma vez que seus impactos são limitados. É fato que a realidade às vezes supera a imaginação, mas tudo indica que será um ano próspero, com novos recordes econômicos.

Paradoxalmente, esse quadro de prosperidade compromete. As ilusões de que o futuro chegou são perigosas. O deslumbramento com o bom desempenho esconde as deficiências de longo prazo e cristaliza a política de "time que ganha não se mexe". Diferentemente da política de curto prazo, onde é fácil apontar e corrigir falhas, na estratégica os erros são difíceis de detectar e acarretam perdas irrecuperáveis.

-------------------------------------------------------------------------------- É tempo de transformar os sonhos em realidade, de escrever o futuro, mas também de diferenciar os sonhos das ilusões --------------------------------------------------------------------------------

As ilusões de que o futuro chegou escondem os sinais, apontando para a necessidade de mudanças. Há uma miopia e foca-se apenas na situação atual, no desempenho em 2008, sem pensar em 2018 e 2028. Em vez de aproveitar o momento para adequar a política econômica de longo prazo, se está desperdiçando a oportunidade. Há indicações de que o modelo econômico não é sustentável e necessita ser ajustado. São sinais da necessidade de mudança e não ruídos do crescimento. A estratégia atual é obsoleta, inconsistente e gera dependência.

O futuro de um país cada vez menos depende dos recursos naturais e mais de capital humano e empresarial. Isso demanda investimentos em educação e em melhorias constantes nas condições para produzir. Apesar de alguns avanços, o Brasil tem um desempenho fraco em educação e está caindo nos rankings de competitividade empresarial. Ilustrando o ponto, em trabalho recente da PW&C foi classificado em 177º em burocracia fiscal, o pior do mundo!

Um caso emblemático foi a não renovação da CPMF, mostrando sinais de esgotamento dos modelos tributário, fiscal e político. A atual estrutura de tributos (mais de meia centena) e de gastos é uma colcha de retalhos e fruto de imediatismos. A proposta de ajuste apresentada há poucos dias ilustra o ponto. É premente uma reforma tributária e fiscal abrangente.

O país está cada vez mais dependente da demanda externa. A fonte do crescimento vem de fora para dentro. A balança comercial mostra um aumento na exportação de matérias-primas e uma diminuição na de itens de valor agregado elevado; são importados cada vez mais bens de consumo; e a balança da conta corrente deverá ser negativa pela primeira vez desde 2002. São indicações que apontam para uma inserção externa mais conveniente e a necessidade de condições para gerar mais valor internamente de forma autônoma.

Há sinais de inconsistência intertemporal. Os gastos do governo crescem a taxas maiores que o produto, algo que não pode ser mantido indefinidamente. A falta de planejamento gerou alguns apagões, como o energético e o aéreo e há sinais de esgotamento da infra-estrutura física - estradas e portos - e institucional - segurança e saúde.

O país está crescendo apesar da política econômica, que está na direção contrária a um futuro promissor: se gasta mais em vez de racionalizar custos; investe-se em aumentar as reservas financeiras para evitar crises, quando a longo prazo, o capital humano e empresarial são mais sólidos; enfim, falta uma agenda de adequação da economia brasileira ao século XXI.

O Brasil reúne condições para manter e aumentar as atuais taxas de crescimento. Tem um potencial a ser usufruído. Entretanto, o futuro não é algo a ser esperado, mas sim para ser construído. Para tanto, é necessário uma estratégia consistente, atualizada e autônoma. É tempo de sonhar, de transformar os sonhos em realidade, de escrever o futuro que queremos, mas também de diferenciar os sonhos das ilusões, o possível do irreal.