Título: O marco regulatório da atividade marítima
Autor: Silva , Leonardo Miranda
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2008, Legislação, p. E2

O Brasil, notadamente com a intensificação das atividades de "upstream" de petróleo e gás, após a chamada Lei do Petróleo, vem experimentando um aquecimento crescente de suas atividades marítimas. Muito vem sendo discutido sobre as atividades de exploração e de produção de petróleo e seus derivados e de gás, bem como sobre outras atividades econômicas que demandam atividades marítimas. A viabilização dessas tantas atividades econômicas depende intrinsecamente do bom funcionamento da atividade marítima brasileira, ou seja, da boa operação de entrada, saída e trânsito interno de embarcações mercantis. O Brasil possui um marco regulatório no setor marítimo, aí compreendidos os setores aquaviário e portuário, merecendo destaque a criação de um órgão regulador federal, que introduziu normas que são complementadas pelas disposições da Marinha do Brasil, formando um arcabouço jurídico cujos principais aspectos passaremos a analisar a seguir.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), criada pela Lei nº 10.233, de 2001, atua no âmbito das várias modalidades de navegação marítima, dos portos organizados, dos terminais portuários e no transporte de cargas especiais e perigosas. A atuação da Antaq deve, todavia, observar as normas da Marinha do Brasil no que diz respeito, dentro outros pontos, à segurança da navegação aquaviária e salvaguarda da vida humana no mar.

Nesta mesma linha, a Lei nº 9.537, de 1997, que trata da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição brasileira, estabelece que cabe à autoridade marítima implementar as normas de salvaguarda da vida humana, segurança da navegação e prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio. Diante deste contexto, destacamos as seguintes matérias: 1) o tráfego e permanência das embarcações nas águas sob jurisdição nacional, bem como sua entrada e saída de portos, atracadouros, fundeadouros e marinas; 2) a inscrição das embarcações e fiscalização do registro de propriedade; 3) a execução de obras, dragagens, pesquisa e lavra de minerais sob, sobre e às margens das águas sob jurisdição nacional, no que concerne ao ordenamento do espaço aquaviário e à segurança da navegação, sem prejuízo das obrigações frente aos demais órgãos competentes; e 4) a determinação da tripulação de segurança das embarcações, assegurado às partes interessadas o direito de interpôr recurso quando discordarem da quantidade fixada.

Todas essas matérias, na forma regida pelas autoridades marítimas brasileiras, devem ser observadas pelas embarcações brasileiras e seus tripulantes ou não-tripulantes, mesmo quando em águas estrangeiras (observadas as normas locais). Por outro lado, as embarcações estrangeiras que estiverem em águas brasileiras em desacordo com normas locais de segurança, após inspeção naval, poderão ser ordenadas, conforme a situação específica, a não entrar ou não sair do porto ou a sair das águas jurisdicionais brasileiras, ou ainda a aportar em porto nacional. Neste contexto, a Marinha do Brasil, via Diretoria de Portos e Costas (DPC), emite as chamadas Normas da Autoridade Marítima (Normam).

Já a Lei nº 9.432, de 1997, que trata da ordenação do transporte aquaviário, estabelece que a operação ou exploração do transporte de mercadorias em navegação de longo curso é aberta às empresas de navegação, armadores e embarcações de todos os países. A mesma lei determina que o mesmo tipo de transporte, em navegação interior de percurso internacional, observando-se os acordos firmados pelo Brasil e o princípio da reciprocidade, também está aberto às empresas de navegação e embarcações de todos os países (não tendo mencionado os armadores).

-------------------------------------------------------------------------------- Com o marco regulatório foi definida uma divisão de tarefas entre Marinha e Antaq sem prejuízo das normas internacionais --------------------------------------------------------------------------------

Todavia, estas regras se tornam mais restritivas em razão da nacionalidade, nos casos de navegação exclusivamente em território nacional. Neste sentido, na navegação de cabotagem, interior de percurso nacional, de apoio marítimo ou portuário, o transporte de mercadorias somente poderá ser realizado por embarcações estrangeiras se estas forem afretadas por empresas brasileiras de navegação. Este afretamento pode se dar por viagem, por tempo e a casco nu, devendo ser autorizado pelo órgão competente (ressalvado o disposto no item seguinte) e observando-se as seguintes condições: 1) inexistência ou indisponibilidade de embarcação com bandeira brasileira adequada; 2) interesse publico; ou 3) em substituição, por no máximo 36 meses, à embarcação que esteja sendo construída em estaleiro brasileiro. Independe de autorização, contudo, o afretamento de embarcação de bandeira brasileira, embarcação estrangeira, para navegação de longo curso ou interior de percurso internacional, e embarcação estrangeira, a casco nu, com suspensão de bandeira, para navegação de cabotagem, interior em percurso nacional, e de apoio marítimo, limitado ao dobro da tonelagem de porte bruto das embarcações, de tipo semelhante, encomendadas a estaleiro brasileiro instalado no país.

Por força da Lei nº 9.432, nas embarcações de bandeira brasileira serão necessariamente brasileiros o comandante, o chefe de máquinas e dois terços da tripulação. Todavia, quando a embarcação for inscrita no chamado Registro Especial Brasileiro (REB), deverão ser obrigatoriamente brasileiros apenas o comandante e o chefe de máquinas. O REB é facultado às brasileiras, operadas por empresa brasileira de navegação, ou às estrangeiras afretadas a casco nu com suspensão provisória de bandeira, quando puder ser dispensado o registro do afretamento, conforme tratado anteriormente.

Finalmente, cumpre mencionar que o Brasil é signatário de normas internacionais de direito marítimo, dentre as quais vale destacar a Convenção sobre a Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional, de 1965, e a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida no Mar, de 1974, conhecida como "Solas". Com o marco regulatório estabelecido na esteira da criação da Antaq, ficou definida uma divisão de tarefas entre o órgão regulador federal e a Marinha do Brasil, sem prejuízo da observância às normas internacionais subscritas pelo Brasil.

Portanto, deve-se considerar que à Antaq coube regular de maneira mais genérica o estabelecimento de registros de embarcações e profissionais marítimos (aquaviários), sobre o trânsito de embarcações em águas jurisdicionais brasileiras etc., sem prejuízo da competência do Tribunal Marítimo. Ao passo que a Marinha do Brasil permanece regulando questões práticas atinentes ao exercício da navegação em águas brasileiras, ou seja, questões operacionais sobre o trânsito das embarcações e o exercício de funções de tripulação, normas de segurança etc.

Cada uma das normas mencionadas possui um detalhamento, em geral dividido por tipo de embarcação (leia-se características físicas) e/ou uso pretendido, merecendo especial atenção as normas sobre transporte de cargas, mormente quando a carga é considerada perigosa, com soe acontecer na indústria petrolífera. Há, outrossim, demais regras de igual relevo a serem observadas em operações marítimas, dentre as quais se destacam as normas sobre registro de propriedade junto ao Tribunal Marítimo, normas sobre operações portuárias e imigratórias.

Leonardo Miranda da Silva é advogado associado da área empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados e integrante do grupo coordenado pelo advogado Marcelo Viveiros de Moura

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações