Título: Acerto entre governo e oposição leva a uma CPI Mista dos Cartões
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2008, Politica, p. A5
Sérgio Lima/Folha Imagem Sampaio com Jucá: " "Prefiro uma CPI Mista chapa branca (com presidente e relator governistas) a uma CPI exclusiva" Os entendimentos entre o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), em torno da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista para investigar o uso dos cartões corporativos do governo Luiz Inácio Lula da Silva - com brecha para apuração da "Conta Tipo B" existente desde o governo Fernando Henrique Cardoso - dividiu a base aliada e a oposição. O acerto em um requerimento propondo a instituição de uma CPI mista (composta de deputados e senadores) para apurar o uso abusivo do cartão corporativo, e também para investigar a aplicação dos recursos destinados ao Suprimento de Fundos (cartão corporativo mais "conta B") desde 1998, na gestão de FHC, quando o cartão foi criado.
Jucá havia proposto uma CPI exclusiva do Senado, "para mostrar que o governo não tem medo de investigação". Já havia protocolado seu requerimento, mas foi obrigado a recomeçar do zero, por causa de rasuras no texto. O acordo com Sampaio é vantajoso para o governo, que terá direito a indicar presidente e relator. Esses cargos são ocupados pelos maiores partidos de cada Casa - PMDB no Senado e PT na Câmara. Se fosse exclusiva do Senado, as funções seriam divididas entre governo e oposição. Sampaio viu vantagens no acordo: "Prefiro uma CPI chapa branca (com presidente e relator governista) a uma CPI exclusiva, da Câmara ou do Senado. Por que a sociedade e a imprensa acompanham muito mais o dia-a-dia de uma CPI mista. A imprensa fica em cima. A CPI mista é o pior palco para se falar em acordo visando abafar a investigação", diz ele.
Os senadores do DEM e do PSDB, que não foram consultados previamente, e setores da oposição na Câmara interpretaram o entendimento como suposto acordão para blindar Lula e FHC de qualquer investigação. "Querem fazer uma CPI de fato indeterminado. É impossível investigar dez anos de gastos com Suprimento de Fundos. É para não investigar nada", disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
"Imitando Dinarte Mariz (ex-senador), não sei o que há por trás, mas que há qualquer coisa, há", afirmou Heráclito Fortes (DEM-PI). Para o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), o governo está tentando "embaralhar" os fatos. "Eventuais crimes alheios não absolvem os cometidos agora", disse.
Em defesa de Sampaio, o presidente tucano, Sérgio Guerra (PE) - que havia sido consultado pelo deputado -, relatou no plenário ter conversado com FHC. O ex-presidente havia dito que a CPI pode investigar "seu passado, presente e futuro". Segundo Guerra, FHC afirmou que a investigação "não tem capacidade de intimidá-lo".
Em São Paulo, entretanto, FHC disse considerar " arbitrária " a decisão de parlamentares da base do governo de ampliarem para o ano de 1998 a investigação. Segundo FHC, não há " fato determinado " que justifique investigações sobre anos anteriores aos atuais problemas no uso dos cartões corporativos. " Em primeiro lugar, não tenho nenhum problema (na apuração dos gastos). Mas do ponto de vista da Constituição, é preciso haver um fato determinado " , declarou o ex-presidente. Ele mencionou o artigo 58 da Constituição, que autoriza o Congresso a instalar comissões parlamentares de inquérito " para a apuração de fato determinado e por prazo certo " .
O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), não concordou com a iniciativa de Jucá. Tentou convencer Sampaio a incluir na ementa do requerimento de forma explícita que o governo FHC seria investigado. Achou que o texto estava muito oposicionista. "Não posso colocar na ementa que a investigação começará em 1998, porque não há fato determinado. Mas é inevitável que a investigação chegue à 'Conta B', na gestão do governo Fernando Henrique", justificou Sampaio.
Ele argumenta que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que as CPIs podem abrir investigações em relação a fatos correlatos, não especificados no requerimento. "Os cartões vieram substituir as 'contas B'. Essa relação vai gerar outras investigações", disse o tucano.
Sampaio estava coletando assinaturas para uma CPI mista, com o objetivo de apurar abusos envolvendo autoridades e servidores atuais - um deles causou a demissão da ex-ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial). A partir do acordo com Jucá, ele alterou a introdução, incluindo a informação de que os cartões foram criados pelo decreto 2809-98 e instituído a partir de 2001.
Antes dos cartões, as despesas emergenciais e eventuais do governo eram pagas por meio de contas bancárias ("Tipo B"). Os servidores autorizados podiam sacar o dinheiro ou emitir cheques. O uso do cartão deixa o registro eletrônico da transação, que é divulgado por meio do Portal da Transparência (www.transparência.gov.br) - exceto as protegidas por sigilo, como as da Presidência e órgãos de inteligência. Hoje, além dos cartões, ainda existe a "Conta B".
O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), convidou o senador Neuto de Conto (PMDB-SC) para presidir a CPI dos cartões corporativos. Raupp, que esteve ontem em Santa Catarina fazendo pessoalmente o convite, afirmou que a escolha do nome de Neuto se deu por sua "respeitabilidade" junto à bancada. "Sabemos que é uma missão difícil, mas todas que ele têm desempenhado estão indo bem", disse Raupp, afirmando que o catarinense teria 48 horas para dar a resposta. Segundo ele, o partido ainda não teria um segundo nome caso Neuto não aceitasse.
Neuto de Conto não deu resposta ontem. Disse apenas que "não é só querer ser presidente da CPI, é preciso ter tempo para desempenhar bem a tarefa, encontrar o norte do processo e a orientação para o uso do bem público", afirmou, comentando que a CPI não pode levar mais que 90 dias. Ele disse ainda ver a indicação como uma missão e não como uma distinção. (Colaborou Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis, com agências noticiosas)