Título: Amizade e gratidão permeiam relação com Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Politica, p. A9

Mais do que a força política, a relação próxima entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o senador José Sarney (PMDB-AP) baseia-se em amizade e gratidão. Sarney tem interlocução direta com o presidente, sem a necessidade de intermediários, apesar de respeitar as instâncias políticas e partidárias. Lula, que foi constituinte durante o governo Sarney - e um dos seus maiores críticos à época -, já fez diversas meas culpas sobre esse período, normalmente relacionados aos ataques à Ferrovia Norte-Sul.

A primeira aproximação formal entre Sarney e Lula aconteceu ainda durante a campanha eleitoral de 2002. A atual líder do governo no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA), liderava a campanha, em março daquele ano, quando uma operação da Polícia Federal flagrou R$ 1,34 milhão em dinheiro vivo na sede da empresa Lunus, em São Luis (MA). Sarney foi à tribuna do Senado e fez um inflamado discurso contra os tucanos e o seu candidato à presidência, José Serra (SP). Começava ali uma aproximação com Lula, alinhavada por José Dirceu. Sarney declarou apoio ao petista ainda no primeiro turno e foi fundamental para a primeira vitória eleitoral de Lula em uma disputa presidencial.

Quando assumiu o governo, Lula e Dirceu interferiram diretamente na dinâmica interna do PMDB, que previa que o líder da legenda no Senado, Renan Calheiros (AL) seria o candidato do partido à presidência da Casa. Dirceu trabalhou ativamente por Sarney e o novo aliado acabou sendo eleito para presidir o Senado durante dois anos. Chegou a impedir a abertura de uma CPI - a dos Bingos, durante o auge da crise deflagrada pela exoneração de Waldomiro Diniz. A CPI acabou sendo realizada mais de um ano depois, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Veio a crise do mensalão, a mais grave enfrentada pelo governo Lula nesses quase cinco anos de mandato. Por um determinado momento, a oposição vislumbrou a possibilidade de impeachment, diante de um governo paralisado e da cúpula petista envolvida em empréstimos irregulares, acusações de pagamento de mesada a parlamentares e denúncias de caixa 2 em campanhas eleitorais. "Até mesmo alguns petistas se esconderam. Sarney não. Ele sempre defendeu o governo, especialmente a inocência de Lula. Lula sempre vai se lembrar disso", confirmou um ministro palaciano.

Quando Dirceu foi obrigado a deixar o governo, apontado como chefe do mensalão, a interlocução de Lula com Sarney ficou ainda mais direta. "Lula respeita muito Sarney, sempre ouve seus conselhos", confirmou um petista com bom trânsito no Planalto. Esse é outro ponto que atrai os dois aliados: "Sarney é o único ex-presidente que age como conselheiro, ajudando Lula a governar. Ele rompeu com Itamar e vive às turras com Fernando Henrique, por razões eleitorais", acrescentou outro petista.

Há quem critique essa aproximação e o excesso de influência e poder de Sarney dentro do governo. "Olha, eu posso te assegurar que a presença de Sarney no governo é muito menor do que a desejada por ele", brincou um ministro palaciano. Para voltar a falar sério logo depois. "Sarney é o único que se comporta como um ex-presidente autêntico, ponderado, conselheiro. Não se perde nas disputas diárias por poder".

Essa análise não se encaixaria nas sucessivas indicações para cargos políticos. "Mas essa é a tradição política nordestina. FHC perturba e irrita Lula, mas jamais vai se preocupar com cargos, porque em São Paulo isso não tem a menor importância. No Nordeste, não. A política nordestina tem como essência a relação de afilhados e padrinhos políticos".

Sarney também tem força no partido. No Senado, pelo menos seis senadores votam em afinidade com ele. E agora, após os recentes escândalos, a cúpula pemedebista aposta em um novo nome que terá de rezar pela cartilha sarneyzista: Renan Calheiros (PMDB-AL). (PTL)