Título: Decisão sobre Eletrobrás expõe influência de Sarney no setor elétrico
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Politica, p. A9
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de decidir, hoje, se a Eletrobrás será presidida por Flávio Decat (apoiado por Dilma Rousseff) ou José Antônio Muniz Lopes (afilhado do senador José Sarney). Muniz Lopes, ex-presidente da Eletronorte é o segundo nome apresentado por Sarney, que antes indicara Evandro Coura. Em jogo, um orçamento de R$ 5,465 bilhões aprovados em 2007, dos quais R$ 3,105 bilhões foram efetivamente aplicados em investimentos - números fechados em dezembro de 2007.
Esse montante representa o total de recursos destinados à Holding Eletrobrás, que inclui Eletronorte, Eletrosul, Chesf, Furnas, dentre outras. Presidir a estatal não significa influência direta no orçamento e decisões de investimentos das demais subsidiárias. Mas confere um imenso poder para negociar e sugerir obras, reconhecem assessores ligados ao setor de energia. "Tudo passa por lá. Na Eletrobrás são tomadas as decisões políticas", confirmou um parlamentar da oposição especializado em setor elétrico.
As apostas entre Decat e Muniz Lopes oscilam, aparecendo, a cada vez, um dos nomes como favorito. Setores do PMDB reconhecem que há uma tendência muito forte para que o indicado por Dilma prevaleça, mas, durante a viagem de Lula à Guiana Francesa, para um encontro com o presidente francês Nicolas Sarkozy, lá estava Sarney. O pemedebista ficou hospedado no mesmo hotel de Lula e aproveitou para enaltecer as qualidades de seu apadrinhado.
Sarney já demonstrou que tem força junto ao presidente. Lula confirmou que resolveria a interinidade do Ministério de Minas e Energia no início de janeiro. Ouviu a indicação de Edison Lobão, mas disse que só se decidiria quando retornasse da viagem à Cuba, em meados do mês passado. No dia previsto, cansado da viagem a Cuba e Guatemala, tentou adiar o encontro para o dia seguinte. Sarney ligou para protestar e o convite foi fechado.
Sarney também praticamente assegurou Astrogildo Quental na diretoria financeira da Eletrobrás. Atualmente, Quental é diretor financeiro da Eletronorte, responsável por um volume de investimentos de aproximadamente R$ 720 milhões, com R$ 569,37 milhões efetivamente aplicados no ano passado. "Você tem várias formas de medir o poder de alguém. Um, é pela quantidade de cargos que um político indica. Outro, é pela qualidade desses postos", confirmou um deputado que conhece bem a estratégia de Sarney.
O ex-presidente da República escolheu o setor de infra-estrutura pela quantidade de recursos e obras que envolvem a área. Ainda mais diante de um futuro que projeta crescimentos de PIB médios na faixa de 5%, o setor elétrico terá de ser pródigo em investimentos para que não haja um colapso energético no país. "O ex-presidente sabe que não adianta comandar a pasta do Meio Ambiente, por exemplo. Isso já ocorreu quando Zequinha Sarney (PV-MA) foi ministro de Fernando Henrique Cardoso", provocou um adversário.
Mas todos fazem questão de respeitar Sarney, reconhecendo que os nomes indicados por ele - especialmente os técnicos - são marcados pela competência. Funcionários que trabalharam com José Antônio Muniz Lopes na Eletronorte asseguram que ele deixou saudades no cargo. Vice-líder do DEM na Câmara, José Carlos Aleluia (BA) conheceu José Antônio no tempo em que este era diretor da Chesf. "Muito competente. Se o governo quiser, de fato, afastar o risco de apagão, indique os técnicos do Sarney e tire esses petistas do cargo", comentou Aleluia.
Sarney teve um grande baque no ano passado quando Silas Rondeau, acusado de receber propina da empreiteira Gautama, de Zuleido Veras, foi obrigado a deixar o Ministério de Minas e Energia. Mesmo fora do Ministério e à espera de uma definição se será ou não denunciado pelo Ministério Público, Silas Rondeau não deixou completamente a estrutura de poder e ainda permanece como integrante dos Conselhos de Administração da Petrobras, BR Distribuidora e Itaipu. Só desta última, estima-se que recebe cerca de R$ 13 mil para participar das reuniões, normalmente mensais.
Mas a titularidade na Pasta não é algo a ser desprezado. Na época, em conversas reservadas com integrantes de seu partido, Sarney defendia abertamente a necessidade do PMDB recuperar o MME, então ocupado interinamente pelo petista Nelson Hubner. "Com a saída do Silas, cerca de 100 pessoas deixaram a estrutura ou tiveram que ser remanejadas", teria dito o ex-presidente, segundo relato de pemedebistas que presenciaram a contabilidade feita por ele.
Pela sua influência e conhecimento da área, Sarney virou referência para os demais senadores, responsáveis por outras indicações para o setor. O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), apóia a indicação de Antônio de Pádua para a diretoria de construção de Furnas e Sarney foi consultado sobre o nome. Raupp busca afastar o estigma de indicação política. "É um técnico competente, de carreira. Já está em Furnas há muito tempo", defendeu o líder pemedebista.
Apesar da preferência pelo setor elétrico, Sarney também tem indicados em outros setores da máquina administrativa federal. No Banco da Amazônia, ele indicou dois dos cinco diretores - Evandro Bessa de Lima Filho (diretor de controle) e João Alberto de Souza (diretor administrativo). O Basa, segundo o site do banco, injetou, nos últimos três anos, R$ 3,8 bilhões em fomentos à economia regional.
No Banco do Brasil, a única pessoa ligada, ainda que indiretamente ao senador pemedebista, é o presidente do Brasilcap, Márcio Lobão, filho do senador e atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Também de acordo com a página da Brasilcap na internet, a empresa, responsáveis pelos títulos de capitalização do Banco do Brasil, confirmou sua liderança no setor no ano passado: de janeiro a dezembro de 2007, as reservas técnicas totalizaram R$ 2,6 bilhões, o faturamento foi de R$ 1,89 bilhão e mais de 48 mil clientes foram contemplados, somando mais de R$ 61 milhões em prêmios distribuídos.
Sarney não tem indicados na presidência ou nas diversas vice-presidências do BB, ocupadas, normalmente, por nomes técnicos. Apesar do diretor da área de governo do banco ser o ex-senador Maguito Vilela (PMDB-GO), a escolha não passou diretamente pelo ex-presidente, mas ele não apresentou nome concorrente e ninguém do PMDB é indicado sem que seja ouvido. Na Caixa Econômica Federal, uma atuação ainda mais discreta: o único afilhado sarneyzista é o vice-presidente de crédito, Fábio Lenza.
Se tem forte influência no setor elétrico e no Basa, a presença de Sarney diminui no Nordeste, apesar de ele ser maranhense. A Sudene recriada é ligada ao ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. E o Banco do Nordeste (BNB) também não tem presença forte do pemedebista. "Sarney é assim, ele não gasta cartuchos à toa. Quando acha que a vaga não vale à pena, ele delega, aconselha, abre mão. E não se envolve", informou uma liderança do PMDB, ironizando o método do seu companheiro de legenda.