Título: Crescem os riscos de escassez de energia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2008, Opinião, p. A10

No momento em que a economia acelera o ritmo de expansão, o fantasma da escassez de energia volta a assustar o país. Como demonstraram nos últimos dias autoridades do setor, não há ainda razões para pânico, mas a situação inspira cuidados e exige do governo resposta rápida para evitar um apagão, que abortaria, no nascedouro, o atual ciclo de crescimento do PIB.

Não sem razão, os grandes consumidores de energia estão preocupados. Na semana passada, o preço do megawatt-hora no mercado "spot" chegou a R$ 569,60, atingindo o valor máximo permitido pela legislação.

Em 2001, quando o país sofreu uma crise de energia que frustrou a retomada da economia iniciada um ano antes, o preço "spot" chegou a R$ 684.

O atual desequilíbrio entre oferta e demanda de energia vinha sendo apontado já há algum tempo por empresários do setor e mesmo pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Hoje, a oferta está em torno de 51 mil MW médios. Já a demanda, puxada por uma economia que elevou de 3% para 5% ao ano a sua capacidade de crescimento, é de 53,5 mil MW.

O problema não existiria se o planejamento feito pelo governo há quatro anos tivesse se concretizado. Projetava-se, naquela ocasião, que em 2008 a oferta estaria em torno de 57 mil MW médios, para uma demanda de 54,5 mil MW - note-se que a demanda, embora tenha crescido, está abaixo da estimativa feita. O sistema deixou, portanto, de oferecer 6 mil MW de energia.

O que contribuiu fundamentalmente para a frustração da oferta foi a escassez de gás, um problema que o governo viu crescer diante de seus olhos nos últimos cinco anos. A falta de energia na Argentina impediu a exportação ao Brasil de 2 mil MW e de insumo (gás natural) para produzir 300 MW na termelétrica de Uruguaiana (RS). No Brasil, a Petrobras reconheceu não ter gás suficiente para fornecer às termelétricas, frustrando produção de 3,5 mil MW. A Bolívia, por sua vez, avisou que não fornecerá gás para a geração de energia da Termocuiabá, no Mato Grosso.

A Petrobras é um capítulo à parte nesse enredo. O parque brasileiro de termoelétricas foi criado para produzir energia nos momentos em que os níveis de água dos reservatórios das usinas hidrelétricas caírem a níveis críticos. Nos últimos anos, não faltou chuva no país e sobrou energia no mercado. Obrigada pelo governo a fornecer gás natural às termoelétricas, a Petrobras esquivou-se o quanto pôde.

Num cenário de energia abundante, a estatal optou por vender gás às distribuidoras que comercializam o produto para o setor industrial e também para motoristas de táxi. O fornecimento excedeu os volumes previstos nos contratos, criando um mercado extra para o gás da Petrobras. Em meados do ano passado, a Aneel, já preocupada com a inoperância das termoelétricas e prevendo dificuldades, multou a empresa pelo não-fornecimento de gás e pressionou o governo para que a estatal cumprisse sua obrigação.

Desde agosto, a Petrobras vem entregando gás às termoelétricas, mas ainda numa quantidade abaixo da esperada. O problema é que uma estiagem prolongada vem afetando os reservatórios de água das hidrelétricas. No Nordeste, a situação é crítica: os reservatórios estão com apenas 27% de sua capacidade total. Chegou o momento de as termoelétricas operarem a pleno vapor, mas isso não está acontecendo, nem vai acontecer, porque não há gás suficiente.

Ao rejeitar a idéia de que é preciso colocar em prática, imediatamente, plano de economia de energia para evitar o pior, o governo tomou uma decisão política. A preocupação do Palácio do Planalto é com os estragos que um eventual racionamento causaria à imagem do governo em pleno ano eleitoral. Teme-se também um arranhão no prestígio de Dilma Rousseff, principal ministro do governo e possível aposta do presidente Lula para a sua sucessão, em 2010.

O temor se justifica. O atual modelo do setor elétrico, acusado por empresários da área de ter um viés estatizante, foi elaborado sob as ordens de Dilma, quando ela comandou o Ministério das Minas e Energia. Na ocorrência de uma crise energética, que o governo ainda pode evitar se agir com eficiência, a fatura política cairá no colo da ministra.