Título: Preços duplicam com importações da China
Autor: Oster, Shai; Davis, Ann
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2008, Empresas, p. B8

A China tem feito com o carvão o que já fez com o petróleo: levado o preço a novas alturas e, com isso, pressionado ainda mais a já frágil economia mundial.

O país sempre foi um grande fornecedor de carvão para si mesmo e para o resto do mundo. Mas, no primeiro semestre do ano passado, pela primeira vez a China importou mais do que exportou, disparando uma alta que quase duplicou o preço do carvão em todo o mundo. O pior ocorreu em 24 de janeiro, quando fortes nevascas e cortes de energia elétrica levaram Pequim a suspender as exportações de carvão por pelo menos dois meses.

Só de lá para cá, o preço na Ásia subiu 34%. Na semana passada, o preço de referência teve a maior alta de todos os tempos nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. "A velocidade da mudança foi marcante´, disse Tom Hoffman, vice-presidente sênior de assuntos externos da fornecedora americana Consol Energy Inc., que, segundo ele, considera suspender alguns compromissos de vender carvão para ver se o preço sobe ainda mais.

O quadro é semelhante ao que ocorreu quando a China se tornou um importador líquido de petróleo em 1993 - mas está se desdobrando muito mais depressa com o carvão. Quando o desenvolvimento chinês passou a ser um dos motores da economia global nos últimos dez anos, o país começou a estremecer o mercado global de petróleo. O maior aumento desse produto foi registrado depois que uma escassez geral de eletricidade na China obrigou as fábricas do país a comprar diesel para alimentar geradores, aumentando a demanda do país por petróleo estrangeiro.

A necessidade chinesa de carvão aumenta ao mesmo tempo em que outros fatores no mundo estrangulam o fornecimento. Inundações em grandes minas da Austrália, desde meados de janeiro, contraíram dramaticamente a exportação daquele grande produtor para o mercado asiático. Há mais de um ano os portos da Austrália estão entupidos de navios cargueiros, forçados a esperar em filas imensas para atracar e recolher seu carvão. Quedas de energia e blecautes na África do Sul, em meio à crescente demanda no próprio país, cortaram a exportação para a Europa. Na Rússia, outro grande produtor de carvão, a falta de vagões de trem frustra as tentativas de atender o aumento da demanda mundial.

A demanda vem crescendo em toda parte. O Japão, um dos maiores importadores mundiais, tem queimado muito mais carvão desde que um reator nuclear foi danificado por um terremoto no ano passado, dobrando o consumo de carvão. Uma pressão de longo prazo vem da Índia, onde a grande expansão de termeolétricas a carvão faz o país aumentar a importação, apesar de suas vastas reservas. Há cerca de um ano, a Indonésia vem desviando suas provisões mais para uso interno, já que a indústria carvoeira tem esgotado suas reservas de carvão de alta qualidade.

Até os produtores dos EUA estão aumentando as exportações para a Europa, onde os compradores, que por muitos anos não se interessaram pelo carvão americano, se acotovelam para conseguir fornecimento. "Está acontecendo um efeito borboleta", em que as questões dentro da China empurram o preço e a demanda por combustível de outros países produtores de carvão, diz Vic Svec, executivo sênior da PeabodyEnergy Corp., a maior produtora mundial de carvão do setor privado, com sede em Saint Louis, no Missouri. "A demanda de Pequim pode se refletir em Queensland (Austrália) ou Gillette, no Wyoming (EUA)".

O aumento do consumo de carvão provocado pela China fez subir salários e criou mais empregos para mineiros americanos, assim como para trabalhadores em ferrovias e portos - uma guinada na transferência de empregos industriais dos EUA para a China. "Como indústria, nunca vimos uma (...) reviravolta tão significativa no mercado e que parece ter tanta força por tanto tempo", disse Ben Hatfield, diretor-presidente da International Coal Group Corp, outra produtora americana de carvão, numa teleconferência com analistas. A Consol Energy informou que as exportações feitas a partir do seu terminal em Baltimore, na Costa Leste americana, subiram 25% no ano passado e a empresa espera aumento de 25% este ano.

O preço do carvão térmico no Porto de Newcastle, na Austrália, que é um dos preços de referência para a Ásia, saltou para US$ 125 a tonelada ontem, segundo a plataforma de negociações internacionais globalCOAL. É uma alta de 34% desde 25 de janeiro e 143% desde janeiro do ano passado.

Na sexta-feira, o contrato futuro de carvão da Central Appalachian, para entrega em março, chegou a US$ 79,38 a tonelada na Bolsa Mercantil de Nova York. É o dobro do preço no começo de 2007, apesar da fraca demanda interna e estoques acima da média em meio a um inverno ameno na maior parte dos EUA.

Com base na atual desaceleração da economia, Jim Thompson, editor do boletim diário Coal & Energy, diz que o preço do carvão pode se manter alto ou até continuar subindo no ano que vem, ou por mais tempo ainda. Atualmente o carvão alimenta cerca de 40% da produção mundial de eletricidade. Sua participação na matriz energética do mundo tem crescido mesmo ele sendo uma das principais fontes de gases do efeito estufa. Isso ajudaria a manter seu preço em alta mesmo se houver uma recessão no mundo industrializado.

Ainda uma alternativa relativamente barata - e abundante - ao petróleo, o carvão é buscado por países de industrialização rápida como Brasil, Índia e Vietnã, assim como a China. Apesar de o uso de fontes alternativas de energia limpa estar aumentando, a expectativa é que o consumo cada vez maior de combustíveis sustente a demanda pelo carvão.

Novas termoelétricas movidas a carvão que estão sendo construídas nos EUA devem acrescentar 50 milhões de toneladas à demanda anual do produto, cerca de 5% de aumento na demanda atual, segundo administradores de portfólio de recursos naturais da U.S. Global Investors. E a demanda por aço em países em desenvolvimento jogou o preço do coque numa alta histórica, o que ocorreu também com o carvão térmico usado para produção de eletricidade