Título: Empréstimos ultrapassam investimento na poupança
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2008, Finanças, p. C1

Mesmo com a forte captação da poupança no ano passado (mais de R$ 33 bilhões), as concessões de crédito imobiliário com recursos da poupança crescem de forma mais rápida. Segundo dados do Banco Central, desde novembro de 1994 até o fim do ano passado, foram concedidos R$ 53 bilhões. No mesmo período, a captação líquida da caderneta (depósitos menos retiradas) foi de R$ 24,5 bilhões, menos da metade.

Com o forte crescimento da oferta de financiamento imobiliário (mais de 90% em 2007) e perspectivas de manutenção do avanço nos próximos anos, as instituições temem apresentar problemas de descasamento no futuro, já que os bancos emprestam mais recursos do que captam. Os bancos já expressam preocupação com os recursos que devem ser utilizados para a concessão desses empréstimos.

Por serem linhas bastante longas, de até 30 anos, as instituições precisam de recursos, o chamado funding, tão longos quanto os prazos dos empréstimos. O sistema brasileiro, criado nos anos 60, foi baseado na poupança, ou seja, os bancos são obrigados a destinar 65% de todos os depósitos da caderneta para o financiamento imobiliário.

Dois problemas são apontados para o sistema. Primeiro, os prazos não necessariamente são casados, já que o poupador pode retirar os recursos a qualquer momento. Em segundo lugar, a correção da poupança é de 6,17% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR), hoje próxima a 2% ao ano, o que cria um piso mínimo, relativamente alto, para os juros do crédito à habitação, segundo Roberto Setubal, presidente do Banco Itaú, em recente entrevista ao Valor.

Setubal defende uma completa reformulação do sistema de financiamento habitacional, pois, na visão dele, o crédito imobiliário exige prazos longos e taxas baixas. Os prazos aumentaram, mas as taxas ainda são muito altas. Afinal, uma operação com horizonte de 30 anos exige muita confiança na estabilidade econômica do país.

Para ele, o desenvolvimento desse mercado depende da substituição das atuais taxas flutuantes, corrigidas pela TR, pelas prefixadas. Dessa maneira, elas serão harmonizadas com a remuneração oferecida pela caderneta de poupança, principal fonte dos recursos dos bancos privados para o crédito imobiliário.

Para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), esse é um problema que terá de ser enfrentado em breve. "É inegável que terá de ser dado um tratamento novo para a TR. Os bancos acompanham o problema, mas a decisão tem de ser tomada pelas autoridades", disse Osmar Roncolato, diretor da Febraban e superintendente do Bradesco. Com a Selic nominal a 8%, por exemplo, a poupança pode superar a taxa básica de juros, afirma.

Para o Santander, no entanto, a princípio não há problemas. Segundo Ana Isabel Perez, vice-presidente de crédito imobiliário, o funding é "coerente". "Há casamento de ativo e passivo", afirma.

No último ano, houve, de fato, uma retomada do interesse dos investidores pela poupança. Com rendimento de 6,17% mais a variação da TR e isenta de Imposto de Renda, a aplicação na poupança passou a ser interessante. Além disso, o Banco Central interrompeu recentemente a queda da Selic, o que pode retardar o processo de aproximação da taxa com a poupança.

Já Paulo Renato Steiner, diretor do HSBC, também vê a necessidade de ajustes na correção do financiamento e da poupança como "inevitável" devido à queda das taxas básicas, mas vê o processo como difícil. A poupança sempre pagou 6,17% ao ano e a mudança representará uma "quebra de encanto" do produto.

"O fato de todo o portifólio ser indexado à TR é uma preocupação", afirma Fábio Leme, diretor do Unibanco. "Existe a necessidade de recursos adicionais e a securitização é uma das alternativas."

Surge então, um terceiro problema. A solução seria a emissão de títulos securitizados, tal qual os bancos médios fazem com o financiamento de veículos, usando os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) ou os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI).

Existe, no entanto, a percepção, segundo Leme, de que o IGP-M ou o IPCA seriam indexadores mais adequados para os papeis. "Com TR, teríamos dificuldade de colocação dos títulos."

Até hoje, pouco operações foram feitas usando CRI. O único dos grandes a captar via recebíveis foi o Banco Real. Os bancos pequenos, que entraram no financiamento imobiliário recentemente, devem testar esse mercado antes mesmo dos grandes, já que muitos deles não têm poupança para funding.

O estoque de CRI registrados na Cetip não chega a R$ 3 bilhões e a maior parte são de operações "buit-to-suit", de capital de giro ou de desmobilização do crédito para as construtoras, afirma Mauricio Visconti, diretor da consultoria REIT Soluções Financeiras Imobiliárias.

Outra forma de captação de recursos no mercado que vêm sendo utilizada são as Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI), cujo estoque está em R$ 7 bilhões. Esses títulos, emitido pelas empresas usando como lastro um empréstimo bancário, são utilizados pelas incorporadoras. Muitas vezes, esses títulos são colocados junto com um swap para trocar a variação da TR por IGP-M (índice mais usado na construção-civil).

Neste ano, os bancos privados passaram a utilizar ainda recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), antes exclusivo dos bancos públicos, para acessar mercados de renda mais baixa. Isso porque FGTS remunera os recursos que administra a uma taxa de 3% ao ano, podendo oferecer juros menores para os mutuários.