Título: O novo mercado de resseguros no Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2008, Legislação & Tributos, p. E2

O resseguro, como o co-seguro e a retrocessão, é um instrumento de diluição e compartilhamento de riscos. Pode-se dizer que, nos dias de hoje, não existe um mercado de seguros forte, sem resseguro. Trata-se de um contrato de transferência de riscos, que se dá entre o ressegurador e o segurador-cedente, sem interferir com a relação jurídica que este último constitui com o segurado.

Depois de muitos anos de monopólio, que foi instituído em 1939, finalmente agora este mercado se abre para a economia privada, com a recente publicação das resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) no fim de dezembro do ano passado. Essas resoluções concretizam a tão esperada abertura de mercado, anunciada desde 1996, quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 13, que suprimiu da Constituição Federal a referência a um órgão oficial ressegurador, seguindo-se, em 1997, a edição do Decreto nº 2.423, que incluiu o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) no Programa Nacional de Desestatização (PND).

Logo após, em 1999, foi publicada a Lei nº 9.932, que transferiu as funções regulatórias, que ainda eram exercidas pelo IRB, para a Superintendência de Seguros Privados (Susep). A opção pelo processo legislativo ordinário revelou-se, porém, equivocada, ensejando a suspensão da eficácia da referida lei por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 2.223 7, proposta pelo PT, então no exercício da oposição ao governo federal, nos idos de 2000.

Com o advento da reforma do sistema financeiro, feita por meio da Emenda Constitucional nº 40, deixou de existir qualquer referência ao resseguro no texto constitucional, o que destituiu de objeto judicável a reportada Adin. Mas subsistiu a insegurança jurídica quanto à constitucionalidade da lei ordinária a regular esta relevante matéria, uma vez que a Lei nº 9.932 alterara significativamente o Decreto-Lei nº 73, de 1966, este recepcionado como lei complementar pela Constituição de 1988.

Foi diante deste cenário de uma abertura de mercado várias vezes anunciada e adiada que vem a ser promulgada a Lei Complementar nº 126, de 2007, a qual finalmente implantou um marco regulatório sólido para o setor das atividades de resseguro.

-------------------------------------------------------------------------------- A expectativa é a de um rápido desenvolvimento do setor com a geração de oportunidades de negócios e investimentos --------------------------------------------------------------------------------

A nova lei complementar, já agora regulamentada pelo CNSP, investe a Susep na autoridade de órgão regulador também do setor de resseguros e permite a atuação de empresas estrangeiras no mercado nacional, como resseguradores admitidos - que deverão manter escritório de representação no país - ou como resseguradores eventuais, cuja atuação dependerá apenas de cadastro junto ao órgão regulador. Fica, no entanto, instituído um regime de preferência para os resseguradores locais, que deverão ser constituídos sob as leis brasileiras e manter sua sede no país.

A esses resseguradores locais é assegurada a oferta correspondente à contratação de 60% das cessões nos três primeiros anos e 40% após este período, além de exclusividade para operar nos ramos de seguro de vida e previdência. Esta preferência deverá ser garantida em cada operação de cessão, ficando o segurador-cedente obrigado a oferecer aos resseguradores locais o percentual de preferência referente a cada prêmio cedido. Esta parcela só poderá ser cedida a resseguradores admitidos ou eventuais em caso de recusa de todos os resseguradores locais em aceitar as mesmas condições oferecidas.

Os resseguradores locais submeterão, no que couber, às normas aplicáveis às sociedades seguradoras. Ficam impedidos de exercer qualquer outra atividade, inclusive a subscrição de seguros diretos e deverão manter capital mínimo de R$ 60 milhões, podendo esta exigência ser ampliada na medida em que forem aumentando os riscos assumidos. Já os resseguradores admitidos e eventuais deverão estar constituídos há mais de cinco anos e estarem em situação regular de solvência perante o seu órgão supervisor de origem. O patrimônio líquido dos admitidos não poderá ser inferior a R$ 100 milhões, devendo comprovar classificação em grau de investimento por reconhecidas agências de classificação de risco. Quanto aos resseguradores eventuais, a nova regulamentação do CNSP exige patrimônio líquido mínimo de R$ 150 milhões, além da comprovação de classificação de risco acima do grau mínimo de investimento, não se admitindo, ademais, que mantenham sede em paraísos fiscais.

Uma expectativa do mercado foi atendida quanto à obrigatoriedade de constituição de reservas no Brasil. Os resseguradores admitidos, em princípio, são obrigados a manter conta vinculada à Susep com saldo capaz de atender às provisões de prêmios para a cobertura de sinistros a ocorrer, no montante mínimo de US$ 5 milhões. No entanto, tais valores poderão ser reduzidos proporcionalmente ao grau da sua classificação de risco estimada pelas principais agências classificadoras.

Assim, o mercado de resseguros no Brasil abre-se para a livre concorrência, ainda que persistam algumas restrições. A expectativa, portanto, é a de um rápido desenvolvimento deste importante setor das economias modernas, com a geração de novas oportunidades de negócios e investimentos.

Carlos Roberto Siqueira Castro e Márcio Monteiro Reis são, respectivamente, sócio sênior e sócio do escritório Siqueira Castro - Advogados

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