Título: O mito da recriação da Sudene
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Opinião, p. A12

Há cerca de um ano, no dia 03 de janeiro de 2007, a presidência da República publicava a Lei Complementar (LCP) nº 125 que recriava a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene. Passado mais de um ano da publicação dessa lei e apesar da recente nomeação do engenheiro Paulo Sérgio de Noronha Fontana para o cargo de Superintendente da Sudene, o que temos, na verdade, é que a nova Sudene não saiu do papel e continua sendo, até o momento, uma promessa de campanha, com o agravante que agora já existe uma lei autorizando o seu funcionamento. O que mais impressiona é que projeto de Lei Complementar da criação da "nova" Sudene passou por vários vetos que diminuiu em muito o escopo do projeto discutido por mais de dois anos no Legislativo. Mas nem mesmo as inovações que não foram vetadas foram ainda implementadas. Vejamos quais são essas inovações.

Primeiro, o art. 4º da Lei 125 e o capítulo IV dessa mesma Lei estabelecia que a Sudene seria responsável por formular planos e propor diretrizes para o desenvolvimento de sua área de atuação, em consonância com a política nacional de desenvolvimento regional, articulando-os com os planos nacionais, estaduais e locais. Neste plano seriam definidos "objetivos e metas econômicas e sociais que levem ao desenvolvimento sustentável de sua área de atuação". Passado mais de um ano de sua "criação virtual"; onde está esse plano de desenvolvimento? Ele simplesmente não existe. O que se encontra na página do Ministério da Integração e da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) é uma minuta de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste em uma versão para discussão datada de abril de 2006; anterior à recriação da Sudene. Nessa minuta de plano há de fato a definição de algumas metas econômicas e sociais para o Nordeste, mas não se explica como essas metas serão alcançadas nem mesmo os indicadores anuais que serão levantados para que se possa auferir se o Brasil caminha ou não para o cumprimento dessas metas. Assim, o que existe é uma carta de intenções.

Segundo, em relação ao acompanhamento das ações do governo federal para reduzir as disparidades regionais, o art. 14 da Lei 125 estabelece que: "A Sudene avaliará o cumprimento do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, por meio de relatórios anuais submetidos e aprovados pelo seu Conselho Deliberativo e encaminhados à Comissão Mista referida no § 1º do art. 166 da Constituição Federal e às demais comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, obedecido o mesmo prazo de encaminhamento do projeto de lei orçamentária da União". A Lei é clara quando fala que o prazo de encaminhamento desse relatório deve ser o mesmo do encaminhamento do projeto de lei orçamentária na União que é 31 de agosto de cada ano fiscal. A intenção dos deputados e senadores era justamente utilizar esses relatórios anuais para subsidiar a apreciação do projeto de lei orçamentária da União pelo Congresso Nacional. No entanto, estamos em fevereiro de 2008 e até o momento a "nova" Sudene não encaminhou ao Congresso Nacional nenhum relatório referente ao acompanhamento das ações dessa instituição para reduzir as disparidades regionais. Por que? Simplesmente porque não existe plano algum em execução.

-------------------------------------------------------------------------------- O Nordeste ficará de fora da expansão de crédito subsidiado que o BNDES, com quase R$ 80 bilhões, pretende efetuar este ano --------------------------------------------------------------------------------

Terceiro, não se tem notícia também de nenhuma reunião do Conselho Deliberativo da "nova" Sudene. O formato desse conselho era uma clara preocupação de vários dos ex-governadores de Estado do Nordeste, que queriam um Conselho forte formado, em princípio, por não mais que quinze membros: governadores dos Estados da área de atuação da Sudene e presidentes de órgão federais na região como o presidente do BNB e da própria Sudene. Por razões políticas, esse conselho por insistência da base aliada do governo ficou um pouco maior do que o desejado pelos senadores, passando a incluir três representantes dos trabalhadores, três representantes dos empresários e também três representantes dos municípios. Mas apesar da insistência do governo por um conselho amplo e "participativo", até o momento, passado mais de um ano da criação da "nova" Sudene, não houve uma única reunião desse "novo" Conselho Deliberativo, apesar da Lei 125 publicada em 03 de janeiro de 2007 estabelecer no seu art. 9º: "O Conselho Deliberativo reunir-se-á trimestralmente ou sempre que convocado por sua presidência, mediante proposta da Diretoria Colegiada, pautando-se por regimento interno a ser aprovado pelo Colegiado."

Quarto, nas discussões do projeto da Sudene no Legislativo vários senadores mostraram preocupação com a disparidade da concessão do crédito no Brasil. Chegou-se mesmo a pensar em punir o BNB caso esse não emprestasse a totalidade dos recursos anuais disponíveis do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e forçar o BNDES atuar de forma mais intensiva na região Nordeste. No final, optou-se pela criação do Comitê Regional das Instituições Financeiras Federais (ver art. 10 da LCP 125), que seria um comitê presidido pelo Superintendente da Sudene e integrado por representantes da administração superior do Banco do Brasil S.A., do Banco do Nordeste do Brasil S.A., do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e da Caixa Econômica Federal para melhorar a atuação das instituições bancárias federais no Nordeste. O leitor sabe de alguma reunião desse comitê? Ao que parece, o Nordeste ficará mais uma vez de fora da expansão de crédito subsidiado que o BNDES com quase R$ 80 bilhões pretende efetuar este ano, contando, inclusive, com empréstimos diretos de R$ 10 bilhões do Tesouro Nacional para este ano por meio da MP 414 de 07 de janeiro de 2008.

Por fim, depois de todos os fatos expostos acima, ainda entrei na internet torcendo para encontrar novidades sobre a constituição da "nova" Sudene e o que encontrei foi a página ( http://www.adene.gov.br ) da Adene, a mesma que existia antes de criação da Sudene. Essa página chega ao absurdo de ter um link ( http://www.adene.gov.br/gti/index.html ) para o Grupo de Trabalho Interministerial para recriação da Sudene com documentos de 2003, como se a Sudene não tivesse sido recriada há mais de um ano. Ao que parece, passado mais de um ano de sua publicação, a Lei Complementar nº 125 de 3 de janeiro de 2007 "não pegou"; o que é um evidente absurdo pois leis são criadas para serem executadas, mesmo que sejam ambíguas e mesmo que o executivo não goste da lei. Assim, depois de mais de um ano de sua criação "virtual"; chegou o momento de o governo decidir se vai acabar com uma Sudene que nunca saiu do papel ou, finalmente, com a recente nomeação do seu novo Superintendente o engenheiro Paulo de Noronha, implementar o pouco que restou da proposta de criação da Sudene após os vetos da Presidência da República.

Mansueto Almeida é técnico do Ipea e ex-assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo (CDR) do Senado Federal em 2005 e 2006.