Título: Falta de ação antiinflação ameaça modelo argentino
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Internacional, p. A11

A artimanha de esconder a inflação colocou o governo argentino em uma cilada. Não pode sequer falar em política anti-inflacionária e com isso coloca em risco um modelo que até agora vinha sendo considerado bem sucedido para tirar o país da crise. A opinião é de dois dos mais respeitados economistas do país, Roberto Frenkel, pesquisador titular do Centro de Estudos de Estado e Sociedade (Cedes) e Miguel Angel Broda, analista e consultor de empresas e organismos nacionais e internacionais. Em entrevista ao Valor, ambos se disseram decepcionados com a chegada da presidenta Cristina Kirchner.

Eles acreditavam que ela fosse regularizar a situação do Indec, o instituto oficial de estatísticas que há um ano, durante o governo do marido dela, Néstor Kirchner, sofreu uma intervenção e passou a divulgar índices de inflação mais baixos que o percebido pela população. A manobra fez com que a inflação fosse tirada do cenário no ano eleitoral, fechando o ano em 8,5% e ajudando Kircher a eleger Cristina à sua sucessão.

Para Frenkel, a divulgação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de janeiro, de 0,9% (o mesmo de novembro e dezembro) deixou claro que Cristina não tem uma política para corrigir esse problema. Para Broda, não há hoje qualquer indício de que o governo esteja preocupado com a inflação. "É mais do mesmo, portanto a inflação real em 2008 será maior que os 20% de 2007", diz Broda, referindo-se ao índice que os analistas e economistas privados calculam para a variação de preços do ano passado.

Os dois economistas acham que o país vai crescer em 2008, porém menos que no ano passado, entre 7% e 8% (em 2007, o rimo foi de 8,7%). Ainda é uma taxa elevada porque, segundo eles, o ritmo de crescimento do fim de 2007 (11% no terceiro trimestre e 10% no quarto), já garante um avanço de 3,9% a 4% por inércia para 2008. Isso significa que, mesmo que o país parasse agora de crescer (o que não está acontecendo), ainda manteria pelo menos 7% de crescimento no ano.

Frenkel alerta que a renda da população está sendo consumida pela inflação e que, ao ocultar o problema, o governo fica sem poder assumir uma política anti-inflacionária que seria parte do modelo econômico adotado no país. "Este é um modelo de crescimento elevado a partir do tipo de câmbio alto e dos superávits gêmeos, mas implica em expansão da inflação que tem que ser controlada", disse Frenkel. Ele foi um dos economistas consultados pelo ex-ministro da Economia Roberto Lavagna quando esta política econômica foi implantada na saída da crise em 2002.

"A Argentina era um bom caso de política heterodoxa que funciona", afirma Frenkel. Ele conta que recentemente a Organização Internacional do Trabalho (OIT) encomendou ao Cedes um "paper" sobre o caso argentino como um exemplo de política econômica bem sucedida na redução do desemprego, que baixou de 25% para 8,5% em cinco anos. "Mas agora passa para o exterior a imagem de que não é um país sério", lamenta.

Miguel Broda vê a disparada da inflação como um dos dois grandes riscos para a economia argentina este ano. O outro é o baixo crescimento dos investimentos que poderiam garantir a ampliação da oferta de bens e serviços e contrabalançar a forte demanda gerada pelos elevados índices de expansão do PIB.

"Como há muita discricionalidade, o investimento não cresce e, portanto, a oferta não reage na mesma magnitude da demanda", diz Broda, referindo-se à intervenção e forte controle exercido pelo governo sobre a produção, preços e rentabilidade das empresas privadas. É um processo que só alimenta a inflação, afirma.

Com a inflação em disparada, diz Broda, a renda da população está sendo corroída e é por este obstáculo que o crescimento da Argentina vai ser barrado em 2008. Ele estima que a economia vai desacelerar fortemente no segundo semestre, com um crescimento de apenas 5% no quarto trimestre, o que deve resultar em uma expansão anual de 7% no ano, abaixo portanto dos 8,7% de 2007.