Título: O Brasil é parte da solução
Autor: Cox, Pamela
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Opinião, p. A13

Quando 100 legisladores dos países do grupo das oito economias mais desenvolvidas do mundo (G8) e de cinco países emergentes (África do Sul, Brasil, China, Índia e México) se reunirem nos dias 20 e 21 de fevereiro em Brasília para abordar - com líderes empresariais globais - um esboço de acordo para suceder o Protocolo de Kioto, pós 2012, estaremos testemunhando uma mudança fundamental na construção das negociações globais.

É crucial que os legisladores das economias com alto consumo energético se reúnam para construir um consenso em torno de passos práticos nessa direção.

Este diálogo informal diferenciado, organizado pela Globe Internacional, uma rede mundial suprapartidária de legisladores, foi iniciado após a Reunião de Cúpula do G8 em Gleneagles, Escócia, e influencia governos do G8 e de países emergentes. Após reuniões no Parlamento Europeu em Bruxelas, no Senado em Washington e no Bundestag em Berlim, chegou-se a um consenso de que era o momento de levar o debate aos países emergentes. Legisladores de todas as vertentes políticas participarão da reunião em fevereiro, no Congresso Brasileiro.

Por que o Brasil? O país é reconhecido como parte da solução ao desafio das mudanças climáticas globais, avançou significativamente nas próprias questões de desenvolvimento e está se tornando um líder global, especialmente em áreas ligadas ao meio ambiente e às mudanças climáticas.

O Brasil é destaque por sua matriz energética limpa, muito mais do que a maioria dos países desenvolvidos, e caminha rumo à independência energética com a expansão de fontes alternativas como a hidroeletricidade, o etanol e o biodiesel. O país demonstrou liderança sem igual no etanol, uma fonte mais limpa e renovável de energia que poderia tornar-se um importante combustível complementar. Especialmente se as barreiras comerciais das economias desenvolvidas forem reduzidas e um mercado mundial surgir. O Brasil também está desenvolvendo tecnologias de ponta na produção de açúcar e álcool, e transferindo esse conhecimento para países africanos, em uma troca de conhecimentos "sul-sul".

Não obstante as enormes complexidades e percalços para assegurar o uso sustentável e a proteção da maior floresta do mundo, maior do que toda a Europa Ocidental, o Brasil tem demonstrado claro compromisso e obteve importantes conquistas. O país reservou 25% de seu território (mais de 2 milhões de quilômetros quadrados) por meio da criação de aproximadamente 100 milhões de hectares de áreas de proteção federais, estaduais e municipais de proteção, e da demarcação de uma área equivalente em terras indígenas. O programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) está criando um sistema de áreas protegidas com mais de 500 mil quilômetros quadrados - maior do que todo o sistema de parques nacionais dos Estados Unidos. Nos primeiros quatro de seus dez anos, o Arpa já criou 13,5 milhões de hectares de novas áreas de proteção ambiental estrita - entre as quais o esplêndido Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque.

Outro exemplo do progresso feito pelo Brasil é que hoje o manejo florestal responde por 15% da madeira extraída no país. Há 15 anos esse percentual era virtualmente zero. Poucos países podem mostrar resultados como estes.

-------------------------------------------------------------------------------- O Brasil demonstrou liderança sem igual no etanol, uma fonte limpa e renovável de energia que poderia tornar-se importante combustível complementar --------------------------------------------------------------------------------

Os países em desenvolvimento, e o Brasil e particular, reconhecem a ameaça global das mudanças climáticas, e se preocupam com o seu impacto sobre as suas economias e o bem-estar de suas populações. Contudo, nenhuma solução global será possível se ela bloquear os esforços de desenvolvimento desses países.

Para se chegar a uma economia com menor uso de carbono nos países em desenvolvimento até 2030, serão necessários investimentos da ordem de US$100 bilhões por ano, além de US$ 28 a 67 bilhões para a adaptação aos danos já causados pelo aquecimento global. Em uma visão otimista, parte desses investimentos viria de fontes privadas, mas o financiamento público permanece crucial.

Um sistema global justo, nivelando as regras do jogo entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, poderia possibilitar emissões menos intensivas em carbono. Os países ricos sabem que o apoio aos países em desenvolvimento resultará no benefício global de um crescimento mais sustentável nesses países. É possível avançar rumo a uma solução que reconheça que o uso sustentável dos recursos naturais é fundamental para o desenvolvimento, e que os países em desenvolvimento não devem ser penalizados por seus esforços de crescimento e de redução da pobreza.

O Banco Mundial, como cooperativa global de países desenvolvidos e em desenvolvimento, está contribuindo para isso. Estamos desenvolvendo mecanismos inovadores de financiamento concessional em energias limpas e adaptação às mudanças climáticas, com o apoio do Reino Unido, EUA e Japão.

Um Fundo de Parceria de Carbono elevará o financiamento de carbono do varejo ao atacado - permitindo a compra de reduções de emissões de setores inteiros, ao invés de projeto a projeto. Em Bali, também lançamos o Fundo de Parceria de Carbono Florestal (FCPF na sigla em inglês), um mecanismo pioneiro para combater o desmatamento em florestas tropicais e as mudanças climáticas. Essas iniciativas-piloto estenderão o alcance dos instrumentos de carbono e das negociações em torno das mudanças climáticas.

O Brasil é claramente uma parte da solução para o desafio das mudanças climáticas. O país vem trabalhando fortemente para mostrar que é possível conciliar crescimento, redução da pobreza e sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, os desafios do Brasil são os desafios do mundo, e é auspicioso, mas também natural, que essa discussão esteja se travando no Brasil.

Os legisladores reunidos em Brasília terão a oportunidade de avançar em uma agenda de soluções, respondendo aos anseios de seus povos. Junto com o setor privado, eles estão em uma posição privilegiada para identificar soluções práticas e politicamente viáveis.

Pamela Cox é vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe.