Título: Sem barganha
Autor: Iunes, Ivan ; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 03/02/2011, Politica, p. 2

Em seu discurso na abertura da sessão legislativa, Dilma diz que manterá a proposta de reajuste do salário mínimo em R$ 545 para este ano, mas quer a manutenção das atuais regras, de modo a recuperar o poder de compra a longo prazo

Num discurso feito para mostrar algumas metas de seu governo e ao mesmo tempo aproximar os deputados e senadores de seus compromissos, a presidente Dilma Rousseff deu apenas um recado indigesto na abertura da sessão legislativa de 2011, ontem. E foi direcionado especialmente à parcela de parlamentares que chega pensando em conceder um salário mínimo superior ao valor de R$ 545 proposto pelo Planalto. Ao citar os avanços do governo Lula no quesito emprego, ela foi direta: ¿Encaminharei ao Congresso Nacional proposta de política de longo prazo de reajuste do salário mínimo, conforme estabelece a Lei n° 12.255, de 15 de junho de 2010¿, disse Dilma.

Ela se referia à lei que fixou o salário mínimo em R$ 510 e determinou 31 de março de 2011 como data-limite para a fixação das regras de reajuste até 2023. O governo deseja que essa norma fique dentro do acordo fechado com as centrais sindicais em 2010, em que a correção foi determinada pela soma do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores com a inflação do ano imediatamente anterior.

¿A manutenção de regras estáveis que permitam ao salário mínimo recuperar o seu poder de compra é pacto deste governo com os trabalhadores. Asseguradas as regras propostas, os salários dos trabalhadores terão ganhos reais sobre a inflação e serão compatíveis com a capacidade financeira do Estado brasileiro¿, discursou a presidente Dilma.

Foi um dos poucos momentos em que a plateia não aplaudiu. Embora Dilma já tenha dito que pretende seguir o acordo com as centrais sindicais, os parlamentares ainda não tinham ouvido dela, de viva voz, que o reajuste do salário mínimo não muda. Tirando esse porém, os 31 minutos do discurso soaram como música para os congressistas. A presidente repetiu parte das declarações da posse, em 1° de janeiro, quando se mostrou empenhada em focar as atividades de governo para o objetivo maior de combate à miséria e à inclusão social, com geração de emprego e de renda. Conforme antecipou o Correio, ela pediu a formalização de um pacto para erradicar a pobreza extrema: ¿É vergonhoso que, num país capaz de produzir 149,5 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas, ainda haja cidadãos que passem fome¿.

Sob o olhar atento de todos os parlamentares, Dilma foi incisiva aos se referir à estabilidade econômica como ¿valor absoluto¿. Ela ainda reforçou a prioridade para os setores de educação e segurança e apresentou metas específicas para a saúde, já discutidas com o ministro da área, Alexandre Padilha: a implantação de 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), para as quais o governo destinará R$ 2,6 bilhões. Outros R$ 5,5 bilhões serão investidos em mais de 8 mil Unidades Básicas de Saúde (UBSs), cujo objetivo é ampliar o atendimento de prevenção, com as equipes de saúde da família. Ela também detalhou os investimentos já divulgados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até 2014 e deu pinceladas na política externa ao defender uma maior participação dos países emergentes no Conselho de Segurança da ONU.

Agenda conjunta Um dos momentos mais aplaudidos foi quando Dilma disse que trabalhará em conjunto com o Congresso para a retomada da agenda da reforma política, um tema batido que nunca sai do papel. Diante de uma plateia cansada do assunto, Dilma falou com tanto entusiasmo que foi ovacionada. Foram tantos aplausos que ela repetiu a frase para marcar o compromisso. O mesmo ocorreu quando falou da reforma tributária, acenando o seu desejo de simplificar a arrecadação de impostos e, ao mesmo tempo, ampliar o número de contribuintes para desonerar a produção.

Os parlamentares gostaram do que ouviram. Nos bastidores, comentaram que foi um discurso para manter a base aliada acesa. Uma das críticas mais ácidas, no entanto, veio do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que desponta como um dos nomes fortes da oposição no Congresso. ¿Ela apresentou um conjunto de boas intenções. Vou aguardar que se transformem em ações efetivas de governo¿, afirmou, com um certo ceticismo. ¿Já ouvi esse discurso do presidente Lula. Infelizmente, grande parte não foi implementada¿, completou.

Segundo escalão Após o discurso de Dilma, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) seguiu para seu gabinete, onde aguardaria um chamado do Executivo para resolver a divisão dos cargos de segundo escalão. Os peemedebistas propuseram que Dilma mantivesse tudo como estava no primeiro escalão para evitar brigas no começo do mandato, sugestão que não foi acatada. Agora, o PMDB aguarda do Executivo qual será a nova regra de composição dos cargos pendentes.

Ponto a ponto

Confira os principais temas abordados por Dilma em seu discurso na Câmara:

Erradicar a pobreza extrema Ações firmes de controle à inflação e rigor no uso do dinheiro do contribuinte Manutenção da estabilidade econômica Política de longo prazo de reajuste do salário mínimo Ações integradas nas áreas de saúde, educação e segurança Implantação de um sistema nacional de prevenção e alerta de desastres naturais Valorização da diversidade cultural Investir em obras de infraestrutura, em especial as do PAC Crescimento da infraestrutura e daprodução industrial e agropecuária em sintonia com a preservação ambiental Retomada da agenda das reformas política e tributária Dividendos do pré-sal, classificado de ¿passaporte para o futuro¿ Reforma política no centro do debate

Um pacto para a edição de uma ampla reforma política foi tema comum aos discursos dos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário, ontem, na abertura dos trabalhos no Congresso. Presidente do Senado pela quarta vez, José Sarney (PMDB-AP) chegou a pedir o fim do voto proporcional para eleições a deputado e vereador, enquanto o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), defendeu uma reforma fatiada como estratégia para vencer a resistência nas duas Casas.

A judicialização das últimas eleições e a edição de regras para os partidos, como a Lei de Fidelidade Partidária, foram apontados por Sarney como sintomas das distorções do atual sistema político brasileiro. ¿Não podemos protelar a reforma do sistema eleitoral, com o fim do voto proporcional, que é responsável pela desintegração dos partidos, que impede a formação de homens públicos, de programas e de ideias¿, afirmou Sarney. Discursando no plenário da Câmara, repleto de deputados eleitos por esse sistema, o senador acabou pouco aplaudido quando defendeu o fim da proporcionalidade nas eleições.

Responsável por conduzir o pleito de 2010, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, citou os números das eleições passadas e também cobrou alterações no sistema político. ¿Talvez tenha chegado a hora de o Congresso se debruçar sobre a reforma política.¿

Apesar das sugestões, Marco Maia sinalizou que dificilmente o Congresso conseguirá emplacar uma grande mudança rapidamente e sugeriu, como alternativa, a aprovação de medidas pontuais. ¿Se prometermos fazer uma ampla reforma política, podemos chegar ao fim de 2011 sem votar nada¿, alertou o deputado.

Judiciário O discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, foi o único que não focou a reforma política. No entanto, ele pediu ao Congresso a aprovação de temas que melhorem a qualidade da Justiça. Entre as propostas, Peluso destacou a modificação nos requisitos de admissibilidade para recursos extraordinários que chegam ao Supremo. ¿Essa modificação diminuirá a duração das causas e vai restaurar a credibilidade da Justiça. Também eliminaria, entre outros inconvenientes, manobras que retardam o cumprimento das sentenças¿, sublinhou o ministro. (II e DR)